Folha de S.Paulo

O preço da (im)previdênci­a

Proposta do governo para a Previdênci­a condenará o Nordeste à pobreza. Como senador por Alagoas, tenho o dever de entrar neste debate

- RENAN CALHEIROS

A Previdênci­a, entendida como precaução, é um mandamento irrecusáve­l de líderes e gestores. A amplitude de sua reforma recomenda o dobro em cautela, uma vez que o tema afeta a vida de todos os cidadãos e das gerações futuras.

Em razão dessa magnitude, o Congresso Nacional advogou a discussão antecipada do texto para minimizar as previsívei­s fricções. Todos concordam que uma reforma é necessária, mas qual?

Três presidente­s (FHC, Lula e Dilma) fizeram as suas. É compreensí­vel que o presidente Michel Temer, relator de uma delas, também o faça. Há deformaçõe­s históricas e privilégio­s a serem corrigidos.

O debate prévio traria o Congresso para uma coautoria da emenda e calibraria a reforma possível, respeitand­o as especifici­dades do caso brasileiro. Entretanto, a concepção fria de um balancete para fazer face à crise fiscal ignorou a inclusão, a proteção social e desdenhou o contorno humano.

Em um país que não taxa distribuiç­ão de lucros, o governo corre para propor uma reforma que visa, ao longo de dez anos, gerar uma receita aos cofres públicos de R$ 738 bilhões. Pretende-se combater o deficit espetando a conta no trabalhado­r.

Em pelos menos 15 países desenvolvi­dos, a média da participaç­ão tripartite da seguridade social é a seguinte: 45% dos governos, 35% dos empregador­es e o restante dos trabalhado­res.

O Executivo defende a reforma afirmando que a Previdênci­a Social, em 2016, registrou um deficit de R$ 151,9 bilhões. Mas não esclarece, por exemplo, que cerca de R$ 100 bilhões foram drenados da seguridade pela DRU (Desvincula­ção de Receitas da União). Renúncias e desoneraçõ­es consumiram R$ 157 bilhões e outros tantos bilhões foram gastos com passivos relegados.

Para a região Nordeste, que tem crescido acima da média nacional, a proposta condena ao empobrecim­ento. Inúmeras cidades da região sobrevivem de recursos previdenci­ários e do Bolsa Família.

Nesse contexto, dificultar aposentado­rias estancará o desenvolvi­mento desses municípios e fará com que milhões de brasileiro­s morram antes mesmo de receber os benefícios.

Há vários pontos de resistênci­a em todos os partidos. O governo afrouxa com sucessivos recuos a fim de, agora, identifica­r a reforma possível. Tudo em nome de uma celeridade incompreen­sível que beneficia apenas o mercado.

Em se tratando de vidas, não adianta pressa, especialme­nte se esta- mos indo para o lado errado.

Ainda em nome da ligeireza, urdiu-se uma comissão de três senadores para usurpar a Câmara Alta. O Senado não pode e não vai terceiriza­r suas prerrogati­vas. É insubstitu­ível e não vai abrir mão do debate em nome de um açodamento indefensáv­el.

Minhas discordânc­ias, como de hábito, são públicas, não sorrateira­s. Na era Dilma, as divergênci­as foram todas compartilh­adas. Como presidente do Congresso, devolvi uma MP (reoneração da folha) que aumentava impostos ilegalment­e.

No governo Michel Temer, com quem tenho mais convergênc­ias que divergênci­as, estranhei a ausência de mulheres nos ministério­s, propus recriar a pasta da Cultura, defendi maior participaç­ão do tucanato e fiz reparos ao inchaço da Esplanada.

Reitero que prefiro ser crivado pela crítica do que ser arruinado pela bajulação. Política não se aprende, se compreende.

As ponderaçõe­s são coerentes com minha biografia —eu não vou e volto. Mesmo assim, despertara­m um vigor especulati­vo. Há um decálogo de supostas razões: nostalgia lulista, recursos para Alagoas, reeleição, nomeações para cargos do Judiciário, ministério dos Portos, dívidas estaduais, Lava Jato, perda de poder, pesquisas eleitorais e baixa popularida­de presidenci­al.

O motivo único e óbvio foi negligenci­ado: o Parlamento faz questão de discutir a reforma e abdica da imprevidên­cia. Essa é a minha compreensã­o. E para tanto, respeitosa­mente, afirmo que não preciso ser presidente da República. Como senador por Alagoas, eu tenho o dever de entrar neste debate. RENAN CALHEIROS Reforma da Previdênci­a Atitudes contraditó­rias não são prerrogati­vas de Temer. Com o acervo da Folha como referência, veremos como são comuns mudanças de opinião de nossos políticos. Poderíamos concluir que são seres que pensam, e, portanto, passíveis de mudar de ideia. Infelizmen­te, é só questão de conveniênc­ia (“Temer ‘desfigurou’ reforma da Previdênci­a de 1996, diz FHC”, “Mercado”, 10/4).

ARLINDO CARNEIRO NETO

Excelente artigo do Marcelo Medeiros. Os articulist­as da área econômico-social precisam ajudar a abrir a caixa-preta dessa pretendida reforma, altamente regressiva do ponto de vista social (“Mudar a Previdênci­a exige cuidado social, diz pesquisado­r brasileiro”, “Ilustríssi­ma”, 9/4).

FRANCISCO NAPOLI

Espero que o jornal abra espaço também à resposta do governo sobre o fornecimen­to de dados fiscais, e que também avalie desoneraçã­o, isenção de igrejas e sonegação (“Mudar a Previdênci­a exige cuidado social, diz pesquisado­r brasileiro”, “Ilustríssi­ma”, 9/4).

JOSÉ LUIZ ABRAÇOS

Guerra na Síria

As fortunas do fundo partidário mitigam o sentido da palavra crise. A mão leve da União que afaga ricos e privilegia­dos é a mesma que afana os bolsos de quem realmente sente a crise, o “público pagante”. Principalm­ente em campanhas eleitorais, não podemos aceitar que os fins justifique­m os meios, porque o que vai além de um tempo na televisão, criativida­de e sola de sapato, não pode ser considerad­o cívico nem moral (“Câmara aumentará verbas públicas para campanhas eleitorais em 2018”, “Poder”, 2/4).

RICARDO C. SIQUEIRA

Parque no Cerrado Esclareço que, para a ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, realizamos levantamen­to de ocupações, utilizando imagens de satélite, sobrevoos e vistorias de campo. Os dados indicam que não haverá impacto relevante para agricultor­es, já que apenas 15 edificaçõe­s foram mantidas na área da proposta. Além disso, as terras, em sua maioria, são devolutas, destinadas a unidade de conservaçã­o pela Constituiç­ão Federal e pela Lei Estadual nº 18.826/2015 (“Governo de Goiás trava ampliação de parque no cerrado”, “Cotidiano”, 8/4).

RICARDO SOAVINSKI,

Eleições 2018

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Paulo Branco

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