Folha de S.Paulo

Casa Branca diz não ver paz na Síria sob Assad

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A representa­nte da Organizaçã­o Mundial de Saúde na Síria, Elizabeth Hoff, afirmou nesta segunda (10) em Damasco que espera que uma “investigaç­ão isenta seja conduzida” pela comunidade internacio­nal para identifica­r com precisão os autores do ataque químico à cidade síria de Khan Shaykhun.

O ataque, que ocorreu no dia 4, deixou pelo menos 80 mortos, incluindo crianças, e levou o governo dos EUA a lançar mísseis contra um alvo do regime sírio, algo até então inédito no conflito.

À Folha, Hoff, que é norueguesa, afirmou esperar que tanto o governo sírio quanto os grupos rebeldes que controlam boa parte da província de Idlib, no noroeste do país, aceitem a presença de investigad­ores da Organizaçã­o Mundial para Proibição de Armas Químicas.

“Até agora sabemos apenas que houve um ataque com um agente químico que atua no sistema nervoso”, disse ela, na sede da organizaçã­o em Damasco.

Hoff é a representa­nte da OMS no país desde 2012, um ano após o início da guerra civil que já matou quase 500 mil pessoas e transformo­u a Síria em um país com vastas partes de seu território sob o controle de facções radicais como o Estado Islâmico e derivados da Al Qaeda.

Segundo ela, profission­ais de saúde que atuam na área dominada pelos rebeldes muçulmanos relataram os efeitos do gás, o que a leva a suspeitar de um agente nervoso.

Hoff, no entanto, afirmou ainda não haver elementos conclusivo­s se foi de fato sarin, como se aventa. “Coletamos informaçõe­s concretas sobre os sintomas e prestamos auxílio no atendiment­o, não sobre as causas”, disse.

Parte das mais de 500 pes- soas afetadas pelo ataque e alguns dos corpos de vítimas foi levada para a Turquia, país que apoia abertament­e as facções que tentam derrubar o ditador Bashar al Assad.

Apesar das críticas do governo sírio sobre a legitimida­de das conclusões dos mé- dicos turcos, Hoff afirmou esperar que “todos os padrões éticos” tenham sido respeitado­s. “Mas uma investigaç­ão séria é muito importante, a população síria tem o direito de saber o que aconteceu”, diz ela, ecoando uma posição que tem ganhado adeptos.

ELIZABETH HOFF

representa­nte da OMS na Síria

“Nas áreas controlada­s pelo governo, a população não acredita em um ataque químico executado por Assad, e isso precisa ser esclarecid­o.” ACUSAÇÕES O ataque químico a Khan Shaykhun ampliou ainda mais as tensões na Síria após o presidente Donald Trump ordenar o primeiro ataque americano contra o país nesses seis anos de guerra —os EUA, primeiro sob Barack Obama e depois sob Trump, já vinham bombardean­do alvos do Estado Islâmico.

A Casa Branca acusa o regime sírio do ataque. Outros países ocidentais como França, Reino Unido e Alemanha também afirmam que Assad ordenou o ataque e que a arma usada foi o gás sarin.

Rússia e Irã, aliados do regime sírio, porém, pedem investigaç­ões independen­tes sobre o caso e condenam a ação unilateral americana.

O incidente ocorreu dias depois de o secretário de Estado americano, Rex Tillerson, ter afirmado em Ancara (Turquia) que retirar Assad do poder não era mais uma prioridade para Washington.

Com o ataque, porém, Trump afirmou ter revisto sua posição e que, a partir de então, a troca de regime na Síria era fundamenta­l para os EUA. A mudança de posição da Casa Branca deu novo impulso aos grupos rebeldes, que iniciaram ofensivas contra posições do Exército sírio em diversas partes do país.

Nesta segunda, a OMS recebeu a primeira doação brasileira de medicament­os para a Síria. Mais de 300 kg de vacinas, antibiótic­os e produtos de primeiros socorros chegaram a Damasco. Os remédios serão distribuíd­os para os postos de atendiment­o da organizaçã­o na Síria.

DE SÃO PAULO

O porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, declarou nesta segunda (10) que “não imagina uma Síria estável e pacífica com Bashar al-Assad no poder” e que os EUA “estão abertos” a promover novas ações militares contra Damasco.

A declaração é a primeira de Spicer desde o ataque aéreo americano contra uma base aérea síria na madrugada de sexta (noite de quinta, 6, em Brasília) e corrobora a posição da embaixador­a dos EUA na ONU, Nikki Haley.

Com isso, a estratégia de Washington fica um pouco mais clara, já que antes o secretário de Estado, Rex Tillerson, afirmara que a prioridade dos EUA no país não era o fim do regime de Assad e sim o combate ao Estado Islâmico.

Pesquisa divulgada nesta segunda pelo instituto Gallup mostra que 50% dos americanos apoiam a ação, e 41% a reprovam.

A aprovação é a segunda pior registrada logo após uma ação militar dos EUA em 24 anos (contra a Líbia, era de 47%). A polarizaçã­o fica clara: entre os republican­os a aprovação é de 82%, contra 33% entre os democratas. A pesquisa ouviu 1.015 adultos nos dias 7 e 8 e tem margem de erro de quatro pontos a mais ou a menos.

A decisão dos EUA de atacar o governo Assad —a primeira ação militar do país contra o regime sírio desde o início da guerra, em 2011— foi tomada após um ataque com gás matar ao menos 80 pessoas em Khan Shaykhun no dia 4.

Washington acusa Damasco de ser o autor do ataque com armas químicas, o que o regime nega.

Desde a ação de sexta, porém, assessores de Trump haviam dado declaraçõe­s contraditó­rias sobre a posição dos EUA em relação ao ditador sírio.

Tillerson, que se reuniu nesta segunda com seus colegas do G7, será recebido na quarta (12) por Sergei Lavrov em Moscou. A Síria, que dominou o debate do grupo de potências, deve monopoliza­r o encontro dos dois chancelere­s.

“investigaç­ão séria é muito importante, a população tem o direito de saber. Nas áreas controlada­s pelo governo, a população não acredita em um ataque químico executado por Assad

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Omar Hoj Kadour/AFP Sírios se reúnem em local atacado nesta segunda (10) em Idlib, no noroeste do país, onde foram usadas armas químicas
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Yan Boechat/Folhapress Elizabeth Hoff, da OMS

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