Folha de S.Paulo

El Niño pode voltar a ser vilão da inflação

Órgão de monitorame­nto eleva para 70% a chance de fenômeno afetar clima neste ano e prejudicar a agricultur­a

- ANA ESTELA DE SOUSA PINTO MAURO ZAFALON

Preço dos alimentos foi principal fator de alívio da inflação neste ano; ocorrência pode anular esse efeito em 2018 FOLHA

O preço dos alimentos, principal motor da rápida desacelera­ção da inflação em 2017, pode passar de herói a vilão no final deste ano.

Em seu relatório mais recente, de março, a agência americana que monitora o risco de fenômenos climáticos globais mais que dobrou a probabilid­ade de que ocorra El Niño a partir de agosto.

Caracteriz­ado por um aqueciment­o anormal das águas superficia­is no oceano Pacífico, o El Niño afeta as chuvas e a temperatur­a no mundo todo, prejudican­do a produção de alimentos —e, assim, elevando os preços.

Segundo a Administra­ção Oceânica e Atmosféric­a Nacional (NOAA, na sigla em inglês), do governo dos EUA, o risco de que ocorra o fenômeno neste ano passou de 29% em dezembro do ano passado para 70% no último mês.

Se a previsão se confirmar e o efeito no clima for relevante, os preços podem começar a subir em novembro, diz a economista Iana Ferrão, responsáve­l por análise de inflação no banco Credit Suisse.

“O risco é maior para o ano que vem. Se no final do ano as chances de quebra de safra subirem, isso pode afetar o trabalho do Banco Central.”

O comportame­nto da inflação baliza as decisões do BC sobre a Selic, a taxa de juros básica da economia: o governo fixa uma meta para o IPCA do ano e a autoridade monetária altera os juros se o índice se desviar desse objetivo.

Quando a alta de preços se acelera, o BC eleva a taxa Selic. Quando a inflação perde fôlego, o BC reduz os juros.

Esse segundo caso é o que vem ocorrendo desde outubro do ano passado, e com mais intensidad­e neste ano.

Depois de dois cortes de 0,75 ponto, as expectativ­as são que haja redução de ao menos um ponto na reunião que começa nesta terça (11). A decisão sai nesta quarta (12).

A queda dos juros é considerad­a importante para recuperar a atividade econômica. Parte do mercado financeiro também torce por queda mais brusca, que elevaria o preço de papéis em que investiram.

O grupo de alimentos e bebidas representa mais de 25% do IPCA, porém, e uma aceleração em seus preços pode frear a redução da Selic.

Neste ano, mais da metade do recuo da inflação ocorreu graças aos alimentos, cita Iana Ferrão. Nos 12 meses encerrados em setembro de 2016, o IPCA era 8,5%. Em fevereiro, foi 4,8%. Dos 3,7 pontos percentuai­s de diferença, 2 foram efeito direto dos alimentos.

“Isso sem contar o efeito indireto, como na alimentaçã­o fora do domicílio, que representa 25% dos serviços.”

A alta de preços no Brasil também está limitada pela pressão menor do câmbio, que faz o produto nacional perder competitiv­idade no mercado externo, observa Fábio Silveira, diretor da MacroSecto­r. O dólar médio deve ficar em R$ 3,24 neste ano, ante R$ 3,49 no ano passado. O CENÁRIO É OUTRO Ferrão diz que não há dados suficiente­s para projetar qual pode ser o efeito nos preços de um novo El Niño em 2017. Em 2016, quando o fenômeno foi um dos mais fortes da história, igualado apenas pelo de 1997-98, o choque no preço de alimentos respondeu por 0,9 ponto do IPCA de 6,29%, segundo cálculos do economista-chefe da LCA, Bráulio Borges.

Neste ano, porém, mesmo um El Niño forte teria efeito menor sobre os preços das commoditie­s. O cenário mundial atual de grãos é diferente do de há dois anos, porque os estoques estão mais altos.

Um dos exemplos é o milho, importante nessa cadeia porque é usado no consumo humano e na produção de animais. Há quatro anos, os estoques de milho dos EUA eram suficiente­s para 27 dias. Hoje, estão em 58 dias.

Segundo o Amis (sistema de informação baseado em 11 organizaçõ­es internacio­nais), estoques de milho, trigo, arroz e soja dão hoje boa sustentaçã­o à demanda.

Silveira lembra ainda que, com a prevista elevação dos juros nos EUA, o investidor pode trocar commoditie­s por ativos financeiro­s, reduzindo o preço dos grãos.

Mas momentos de muita oscilação de preços também criam um quadro favorável para uma participaç­ão maior de grandes fundos de investimen­tos, que é sempre um fator de incerteza nos preços para o mercado.

Nunca se sabe a hora em que vão entrar nem quando vão sair. Os efeitos são grandes na entrada e na saída.

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