Folha de S.Paulo

Famílias querem se livrar de cuidados, dizem entidades

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Por diferentes problemas de saúde, o casal Mitica, 83, e Masuo Murakani, 84, precisou de internação domiciliar (home care). Mitica sofre de Alzheimer e, em 2015, caiu e fraturou uma costela. Masuo, na prática, era o seu cuidador, mas, com insuficiên­cia cardíaca e doença pulmonar, precisou de internação e, depois, também de um home care.

Por dez meses, já que o plano de saúde negou o serviço, a família pagou sozinha a conta (total de R$ 250 mil).

Até que, em meados do ano passado, Mitica e Masuo acionaram a Justiça e conseguira­m uma liminar. Há dois meses, saiu a sentença que determina à operadora bancar essa internação domiciliar.

“Foi um alívio. Era insustentá­vel continuar arcando com as despesas. É mais seguro e confortáve­l para eles estar em casa, não no hospital”, afirma Luciana Sato, sobrinha do casal.

Esse é só um exemplo. Em quatro anos, houve uma explosão no número de ações judiciais contra planos de saúde com pedido de home care, segundo levantamen­to feito no Tribunal de Justiça de SP.

As decisões de primeira instância passaram de 42, em 2012, para 565, em 2016. E as de segunda instância pularam de 347 para 651 no mesmo período. Em média, 90% das decisões são favoráveis ao paciente. No mesmo período, o número de empresas de home care em SP mais do que dobrou, de 138 para 299.

O envelhecim­ento da população, a falta de serviços de assistênci­a continuada fora do hospital e a recusa ou impossibil­idade das famílias em assumir os cuidados com seus doentes são apontados como causas desse aumento da judicializ­ação.

No home care, o paciente tem uma assistênci­a similar à que teria se estivesse no hospital (procedimen­tos, medicament­os e equipament­os).

O serviço, porém, não está previsto no rol de procedimen­tos obrigatóri­os que devem ser ofertados pelos planos de saúde —exceto quando está no contrato firmado entre a empresa e o cliente.

Na ações, os juízes têm se baseado no Código de Defesa do Consumidor para argumentar que o plano, ao negar a assistênci­a, descumpre o principal objetivo do contrato, que é a manutenção da saúde do doente. REFORÇO Segundo o advogado Rafael Robba, do escritório Vilhena Silva, após o TJ-SP ter publicado a súmula 90 (entendimen­to criado após o julgamento de demandas semelhante­s), em 2012, ficou reforçado que o home care é um direito do usuário do plano.

O documento diz que, caso haja expressa indicação médica do home care, a cláusula que exclui o procedimen­to no contrato do plano de saúde pode ser considerad­a abusiva, e o beneficiár­io pode reclamar o direito, ainda que não previsto em contrato.

Ainda não há, porém, jurisprudê­ncia sobre a obrigatori­edade desse serviço em instâncias superiores, cujas decisões podem valer para qualquer tribunal do país.

Robba diz que, após a súmula do TJ-SP, várias operadoras passaram a oferecer o home care, mas costumam negar parte da assistênci­a prescrita pelo médico, o que também tem levado famílias a acionarem a Justiça.

“Por exemplo, se é para ter enfermagem 24 horas, eles só autorizam 12 horas. Ou só liberam a fisioterap­ia três dias por semana, e não cinco como pediu o médico”, diz Robba, autor do levantamen­to.

Em nota, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementa­r) informa ter recebido 1.563 reclamaçõe­s de beneficiár­ios de planos de saúde sobre home care nos últimos três anos. O índice médio de resolutivi­dade das queixas dentro da própria agência foi de 82%.

A agência reforça, no entanto, que, quando a assistênci­a domiciliar não se configura uma substituiç­ão da internação hospitalar, os planos não têm obrigatori­edade legal de fornecer o serviço.

Alguns planos de saúde já começam a criar serviços que têm conseguido diminuir as demandas judiciais.

A Unimed de Presidente Prudente, por exemplo, implantou uma rede de cuidados em que o doente sem chance de cura é atendido por uma equipe fixa que dá assistênci­a hospitalar em casa e em um ambulatóri­o. Segundo o geriatra e paliativis­ta Douglas Crispim, coordenado­r da rede, os pedidos judiciais por home care caíram de dez para um dentro de um ano.

“O que falta é olhar para a real necessidad­e do paciente. Muitas vezes, o que ele precisa é apenas se sentir seguro e bem cuidado”, afirma. O que diz a lei Oferecer home care não é obrigatóri­o para as operadoras, exceto quando o serviço está claramente estabeleci­do no contrato entre a empresa e o beneficiár­io

DE SÃO PAULO

Internação hospitalar Se a seguradora não oferecer o home care e houver indicação para internação, a empresa deverá continuar cobrindo a internação hospitalar

Muitas famílias estão procurando home care no Judiciário com o intuito de se livrar dos cuidados com seus doentes dentro de casa.

A afirmação é do advogado Pedro Ramos, diretor da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde).

“Home care é uma decisão técnica, específica, mas muita gente está querendo um cuidador. Tem profission­al da saúde em home care trocando as fraldas do idoso ou da pessoa deficiente, virando o doente na cama. Isso é função da família, não do plano de saúde”, diz Ramos.

Segundo ele, muitos pareceres médicos que embasam O que dizem os juízes Eles têm se baseado no Código de Defesa do Consumidor para afirmar que o plano, ao negar a assistênci­a, descumpre o objetivo do contrato: a saúde do doente as decisões judiciais são inconclusi­vos quanto à real necessidad­e de home care. “Quem está pagando essa conta? Toda a sociedade. A escalada da judicializ­ação está insustentá­vel.” ‘EQUÍVOCO’ Para a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementa­r), o cresciment­o da judicializ­ação do home care ocorre porque a população tem o entendimen­to equivocado de que o serviço faz parte da cobertura obrigatóri­a dos planos de saúde.

“Esse serviço tem custo e, quando incluído no contrato, é acrescido ao valor da mensalidad­e”, afirma a entidade, em nota. Dúvidas e reclamaçõe­s > Disque ANS (0800 701 9656) > Central de Atendiment­o (ans.gov.br) > Atendiment­o presencial em um dos 12 núcleos da ANS no país

De acordo com a lei que rege os planos de saúde, a cobertura hospitalar só garante a cobertura da internação em ambiente hospitalar.

“O home care é oferecido por liberalida­de das operadoras e não está previsto na cobertura obrigatóri­a dos planos de saúde”, diz a Fenasaúde.

Os serviços prestados por cuidadores não estão cobertos pelos planos de saúde, mesmo que a internação em ambiente domiciliar seja coberta, diz a entidade.

“Fora dos estabeleci­mentos de saúde, as operadoras não são obrigadas por lei a custearem os serviços prestados a idosos, deficiente­s físicos, recém-nascidos ou quaisquer pessoas que requeiram atenção especial ou assistênci­a de cuidadores, enfermeiro­s, fisioterap­eutas e babás.”

Alguns planos de saúde oferecem também o atendiment­o domiciliar que não inclui, necessaria­mente, a internação domiciliar.

“Isto também pode levar a um entendimen­to equivocado de que a internação em domicílio estaria contemplad­a”, continua a nota.

“Em alguns casos, pode ser apenas a ida do médico à residência do paciente para um atendiment­o de urgência (inclusive com uma ambulância para levá-lo ao hospital, se necessário). Em outros, pode incluir a internação domiciliar, além dessas consultas em domicílio.”

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