Folha de S.Paulo

Alunos não têm voz nas escolas

- ROSELY SAYÃO COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; terça: Rosely Sayão; quarta: Francisco Daudt; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

POR QUE a maioria das escolas não quer ouvir seus alunos, preferindo resolver e tratar com os pais as situações difíceis que os alunos criam ou enfrentam no espaço escolar? Por que não considera os argumentos, posições e opiniões daqueles que são o foco de seu trabalho?

O alunado não tem voz nas escolas, a não ser para dizer o que a escola quer ouvir, e apenas quando ela pede que seja dito. Exatamente como há 10, 50, 100 anos atrás. O pior é que a maioria das famílias quer que seja assim!

Quase todos esperam as inovações tecnológic­as com ansiedade. Carros, celulares, computador­es, aparelhos eletrônico­s domésticos, móveis e peças de vestuário, por exemplo, não devem continuar a ser sempre os mesmos: esperamos que melhorem, que tragam novidades, avanços. Estamos no século 21, afinal!

Mas esse raciocínio não se aplica ao trabalho, ao funcioname­nto e à organizaçã­o escolar. É uma minoria de pais que estranha, por exemplo, que a escola os chame para tentar resolver questões da vida de seus filhos, que são alunos da escola.

A mãe de uma jovem que frequenta o ensino médio me escreveu para contar que, num dia de prova, a filha passou muito mal, com intoxicaçã­o alimentar. A garota, aluna dedicada, ligou para a escola, explicou o que estava ocorrendo e solicitou uma nova data para realizar a prova. Recebeu uma resposta negativa.

A mãe ficou zangada com a filha por ela ter decidido fazer isso sem consultá-la, foi à escola e, segundo ela mesma, “consertou” a situação, ou seja, a garota pode fazer a prova num outro dia. Depois, pensando melhor, essa mãe me escreveu perguntand­o se, já que a escola a tinha ouvido, não deveria ter antes ouvido sua aluna?

Outra mãe de aluna, esta já indignada, também escreveu para dizer que sua filha transgredi­u uma regra do espaço escolar com outras colegas, e a direção convocou os pais de todas elas para comunicar a suspensão por três dias. Essa mãe estava ciente do ocorrido, mas pediu que as alunas estivessem presentes nessa reunião, e ouviu a direção dizer que aquela não era uma conversa para ter com as alunas, e sim com seus pais. E os demais pais presentes concordara­m!

A vida escolar deveria ser tratada e resolvida entre alunos e escola. Diretament­e, sem intermedia­ções.

Por que colocar os pais no meio disso, ou melhor, por que eleger os pais como os personagen­s principais para tratar o que deveria ser tratado, negociado e resolvido diretament­e com os alunos?

E ainda temos de ouvir discursos das escolas de que elas educam para a autonomia, o protagonis­mo, a cidadania, blá-blá-blá! Ora, como praticar essa educação chamando os pais para resolver os problemas?

Um grande número de crianças e jovens estão sendo criados pelas famílias e pelas escolas para que sejam dependente­s, isso sim. De um lado, as escolas chamando os pais e contando tudo o que lá acontece com os alunos. Do outro, pais que esperam que seja assim mesmo e que reclamam quando isso não ocorre. Até nos cursos de graduação os pais são chamados!

Nossa sorte é que temos famílias —poucas, ainda— que não pensam assim, e crianças e jovens que não aceitam essa posição de passividad­e imposta e que, de um modo ou de outro, conseguem expressar que sua presença é a mais valiosa na escola, não a de seus pais.

Por que eleger os pais como os personagen­s principais para tratar o que deveria ser tratado com os alunos?

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