Folha de S.Paulo

Racismo é comum no interior, diz zagueiro

- GUILHERME SETO

DISCRIMINA­ÇÃO

Wagner, do São José-RS, afirma que foi chamado de ‘macaco’ três vezes em sua carreira

Em nove anos de carreira profission­al, o zagueiro Wagner, 27, já foi chamado de “macaco” em três ocasiões. Uma vez a cada três anos, em média. A última ocorrência foi no sábado (8), durante a partida entre São José e Novo Hamburgo pelas quartas de final do Campeonato Gaúcho. Wagner atua pelo primeiro time, que jogava fora de casa.

“Aconteceu no final do segundo tempo, em um dos últimos lances antes do apito final. O Novo Hamburgo iria cobrar o escanteio e tinha um carro de som no estacionam­ento do estádio, do lado da grade. De cima dele alguns torcedores do Novo Hamburgo começaram a nos xingar e então começamos a discutir. Foi aí que um deles olhou para mim e disse ‘cala a boca, macaco’. Duas vezes”, afirma Wagner à Folha.

Desconcert­ado, o zagueiro não pensou em falar com o árbitro da partida. Após o jogo, ele procurou o agressor.

“Fui tirar satisfação, mas ele entrou no meio da torcida e fugiu. Falei com o policial, mas não conseguimo­s achá-lo.”

Wagner diz que identifico­u o homem que o xingou com a ajuda de um funcionári­o do São José que já trabalhou no Novo Hamburgo, e nesta terça-feira (11), quando planeja registrar boletim de ocorrência, vai divulgar o nome.

“O mínimo que espero em um local de trabalho é respeito. E ele desrespeit­ou jogadores da própria equipe dele que, quer ele queira ou não, são da minha cor. Tenho posicionam­ento claro sobre essa questão [racismo]. Estou falando porque quero ajudar a mostrar que não existem diferenças entre brancos e negros, todos são iguais”.

Formado nas categorias de base do Grêmio, Wagner teve passagens por Caxias do Sul, Cosenza (ITA), Modena (ITA), São Caetano, Portuguesa e Sampaio Corrêa antes de chegar ao São José. Foi na Europa e no Sul do Brasil que o gaúcho ouviu ofensas preconceit­uosas outras duas vezes.

“Em 2011, no Modena, estava jogando contra o Novara, passava pela linha lateral e me chamaram de macaco em italiano. Alertei o juiz, que colocou na súmula. Mas não tinha câmeras e ficou por isso”, lembra.

“Aconteceu a mesma coisa em Caxias. No interior, todo mundo fala esse tipo de coisa. Normalment­e, entra por um ouvido e sai pelo outro. Mas desta vez [contra o Novo Hamburgo] foi diferente. Ele estava de frente para mim e falou com convicção.”

Wagner é contundent­e ao tratar de questões raciais. Segundo ele, seu posicionam­ento está fundamenta­do na educação que teve desde criança em sua casa.

“Essas pessoas como o torcedor podem querer acreditar que existem diferenças entre indivíduos por causa da cor, mas não existem. Meu pai é branco e minha mãe é negra. Minha mulher é branca e meu filho também. Desde criança eu já sabia disso tudo.”

Em 2012, o Novo Hamburgo recebeu punição devido a episódio similar: o atacante Vanderlei, do Caxias, foi “chamado de ‘macaco’ ostensiva e ininterrup­tamente pelos torcedores do Novo Hamburgo”, anotou o árbitro na súmula da partida. A equipe foi multada em R$ 10 mil.

Wagner ressalta, no entanto, que não deseja que o time adversário receba alguma punição no âmbito desportivo.

“Eles ganharam na bola, estão de parabéns. A minha questão é individual com aquele torcedor. Acho importante que ele aprenda uma lição. Pessoas assim não deveriam estar em estádios. Ele pode fazer isso com uma criança, com um idoso.”

A Federação Gaúcha não respondeu até o fechamento desta edição se o Novo Hamburgo corre risco de ser punido desportiva­mente.

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Daniel Boucinha/Divulgação Wagner ouviu ofensas preconceit­uosas na Itália e no Sul

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