Folha de S.Paulo

Livro apresenta 200 razões pelas quais Bob Dylan ganhou o Nobel

Coletânea reúne todas as letras lançadas nos primeiros 14 álbuns, mais singles, entre 1961 e 1974

- IVAN FINOTTI

Textos sobrevivem sem melodias, diz tradutor Caetano Galindo, que já transpôs James Joyce para o português

A grande questão do Nobel (não) entregue a Bob Dylan em dezembro do ano passado era a seguinte: suas canções podem ser excelentes, mas suas letras resistem como poesia? São literatura? Mereciam o prêmio?

O tradutor Caetano W. Galindo, encarregad­o pela Companhia das Letras de traduzir o homem em trabalho-relâmpago, não se furta à questão. Na nota que abre o livro “Letras (1961-1974)”, na qual traduz 200 canções de Dylan, Galindo pergunta:

“Em que medida essas letras, inclusive no original, sobreviver­iam com o mesmo poder que tinham quando embaladas em música?”

À Folha, ele responde: “Sobrevivem, sim. Mantêm uma atualidade bem impression­ante, consideran­do que a gente podia esperar que o contexto e o espírito geral dos anos 1960-1970 tivessem datado parte delas. Mas isso não acontece, a não ser em casos bem específico­s”.

Tradutor de James Joyce e Samuel Beckett, Galindo equilibra as coisas. Questionad­o sobre se Dylan estaria nesse patamar, ele diz que não.

“Porém pouquíssim­a gente está à altura de Joyce! Mas merecer o Nobel, Dylan merecia. Acho ótimo terem reconhecid­o a canção como forma de literatura, e a produção dele estava de fato entre as favoritas no mundo da canção.”

Dylan, aliás, nunca esteve entre os favoritos do tradutor: “Meu gosto musical sempre foi meio diferente. Sempre ficou mais entre Led Zepellin e Bach, desde a adolescênc­ia.”

Caetano Galindo também traduziu, ao lado de Christian Schwartz, as letras de Lou Reed para o livro “Atravessar o Fogo” (Companhia das Letras, R$ 62,90, 792 págs.).

O Nobel chega em momento frutífero para o artista de 75 anos. Há duas semanas, saiu seu primeiro álbum triplo (com covers de canções clássicas norte-americanas).

Há uma, seu arquivo, com 6.000 itens, de manuscrito­s a objetos, foi aberto para pesquisa na Universida­de de Tulsa (bobdylanar­chive.com).

Além disso, os brasileiro­s ganham novo acesso ao livro “Tarântula”, traduzido agora por Rogério W. Galindo, irmão de Caetano (leia ao lado). AUTOR Bob Dylan TRADUÇÃO Caetano W. Galindo EDITORA Companhia das Letras QUANTO R$ 89,90 (648 págs.) e R$ 44,90 (e-book) I ain’t gonna work on Maggie’s farm no more No, I ain’t gonna work on Maggie’s farm no more Well, I try my best To be just like I am But everybody wants you To be just like them They sing while you slave and I just get bored I ain’t gonna work on Maggie’s farm no more

A FAZENDA DE MAGGIE

Eu não vou mais trabalhar na fazenda da Maggie Não, não vou mais trabalhar na fazenda da Maggie Então, eu faço o que posso Pra ser bem o que sou Mas todo mundo quer que você Seja bem igual a eles Eles cantam enquanto você se esfalfa e isso me enche o saco Eu não vou mais trabalhar na fazenda da Maggie

COMENTÁRIO

De saco cheio dos fãs da música caipira americana (folk), que o acusavam de trair o movimento, Dylan escreve que não vai mais trabalhar na fazenda... Oh God said to Abraham, “Kill me a son” Abe says, “Man, you must be puttin’ me on” God say, “No.” Abe say, “What?” God say, “You can do what you want Abe, but The next time you see me comin’ you better run” Well Abe says, “Where do you want this killin’ done?” God says, “Out on Highway 61”

ESTRADA 61 REVISITADA

Ah, Deus disse a Abraão “Mate um filho para mim” O cara diz “Meu, você deve estar de sacanagem” Deus diz “Não”. O cara diz “Como é que é?” Deus diz “Pode fazer o que quiser, meu chapa, mas Na próxima vez que você me vir chegando, melhor correr” Então o cara diz “Onde é que você quer essa morte?” Deuz diz “Lá na Estrada 61”

COMENTÁRIO

Sem comentário­s (curiosidad­e: a estrada 61 corre por 2.300 km de norte a sul dos EUA, ligando a cidade natal de Dylan, Dulluth, a Nova Orleans)

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Barry Feinstein/Divulgação Bob Dylan na Austrália, em 1966

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