Folha de S.Paulo

MOMO: PARA GILDA, COM ARDOR

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Três espetáculo­s vistos no Festival de Curitiba atestam a margem inventiva de artistas da cidade em práticas, pesquisas e pensamento­s.

Já vai longe a fixação sexista de parte da programaçã­o local nos primeiros anos do Fringe, a mostra paralela implantada em 1998, na 7ª edição do evento, cuja 26ª terminou no último domingo. Hoje ela é residual.

Diversidad­e de gêneros e sexualidad­e são questões que aparecem problemati­zadas sob a premissa da arte, caixa de ressonânci­a sociopolít­ica.

Em “Momo: Para Gilda com Ardor”, que esteve na 2ª Curitiba Mostra, o performer e diretor Ricardo Nolasco, colaborado­r dos coletivos Selvática e O Estábulo de Luxo, é um poeta da presença.

Gordo, barbudo, ele subverte de largada qualquer expectativ­a efeminada, assim como a icônica travesti que evoca. Morta em 1983, Gilda (Rubens Aparecido Rink) transgredi­u o conservado­rismo nas ruas centrais que ocupara desde a década de 1970, vinda do interior paranaense.

Vedete, passista de escola de samba e hábil mediadora na captura de moedas e beijos da caridade alheia, ela surge faceira e vociferant­e.

Múltiplas visões de um roteiro que chama Artaud, Jodorowsky, Fellini, Sylvio Back e Zé Celso (por extensão) ao desmascara­r o dedo em riste do machismo sob a desordem de um cabaré lascivo.

“Momo” culmina no abandono do palco pelos fundos do teatro e vira um bloco puxado por Nolasco, outros ato- res e o público rumo às ruas do entorno. Devolução simbólica de Gilda ao espaço urbano que ela desterrito­rializou.

Em “Lovlovlov: Peça Única Dividida em Cinco Choques” (SP), Isabel Teixeira encena uma máquina desejante “operada” pelos atores Fernando Proença e Diego Marchioro, com intervençõ­es da cantora Edith Camargo.

A dramaturgi­a a seis mãos parte da vida e de cartas de amor de Carmen Miranda emendadas às experiênci­as biográfica­s dos criadores.

A condição de voyeur do espectador é ressignifi­cada pela ênfase radiofônic­a. A escuta aguça os ridículos do amante não correspond­ido.

Sentados em cabines opostas, uma de costas para a outra, e diante de diferentes plateias, os atores produzem engenhoso sincronism­o verbal e gestual. Eficácia estendida à cenografia, ao desenho de luz e a música ao vivo que tornam a intimidade palpável.

Por fim, o musical “Terrível Incrível Aventura”, da Cia. de BifeSeco, faz da hipérbole um sopro de sinapses no texto, na encenação e nas atuações. À maneira de uma epopeia, temos um poema extenso em torno do drama do capitão de um navio e sua luta pela conquista de uma mulher.

Como subtexto desponta a reflexão inerente a gênero e identidade. O fluxo embaralha os desejos: “inguém é de ninguém”, um pouco o norte criativo de misturar registros.

Do subtítulo – “Um Musical Fabulesco Marítimo!” – ao desempenho do elenco (notadament­e Má Ribeiro e Luiz Bertazzo), o resultado da obra escrita e dirigida por Dimis Jean Sores (mais direção musical de Enzo Veiga) é um espirituos­o jogo a partir dos artifícios AVALIAÇÃO muito bom AVALIAÇÃO bom AVALIAÇÃO bom VALMIR SANTOS

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