Folha de S.Paulo

Documento único

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A cada dois anos, o brasileiro enfrenta uma tarefa árdua: encontrar o título de eleitor. Embora seja possível votar só com a cédula de identidade, a prudência aconselha recorrer ao título por duas razões.

A primeira: no documento da Justiça Eleitoral se acha a informação quanto à zona e à seção em que lhe cabe exercer o direito. Se confiar na memória e, porventura, a seção tiver mudado de local, pode ver-se impedido de votar.

A segunda: recomenda-se guardar os canhotos de comprovaçã­o do voto junto do título. Isso porque, como forma de fazer valer a obrigatori­edade do pleito, o Estado exige, para que sejam tirados outros documentos (como passaporte e CPF), prova do voto no sufrágio anterior.

Logo se vê que o poder público não está no mundo para facilitar a vida do cidadão. Cada um dos documentos —título de eleitor, RG, passaporte, CPF, CNH, carteira de trabalho— possui um número diferente e fica cadastrado em repartiçõe­s separadas.

Uma providênci­a óbvia seria reunir todos esses papéis numa cédula só e num cadastro único. Como nem sempre o que é óbvio se mostra também fácil, sobretudo no Brasil, essa medida nunca saiu dos planos —até agora.

O Senado Federal aprovou a criação da Identifica­ção Civil Nacional, que ainda depende de sanção presidenci­al. Também chamada de documento único, a inovação pressupõe uma só base de dados com todos os registros do cidadão.

Esses dados seriam associados a um número apenas (CPF) e à informação biométrica, como a impressão digital colhida eletronica­mente. O sistema se materializ­aria num Documento de Identifica­ção Nacional (DIN, nova sigla para a selva nacional de acrônimos).

O cadastro ficaria com a Justiça Eleitoral; Estados e municípios teriam acesso à base de dados.

Não é demais lembrar que o Registro Geral (RG) nunca foi, de fato, geral. Jamais se estabelece­u um sistema eficiente de comunicaçã­o e consultas entre os governos estaduais responsáve­is pela emissão de cédulas de identidade.

Com isso, como revelou reportagem de 2013 nesta Folha, qualquer um podia obter vários números de RG em diferentes unidades da Federação. Os comprovant­es de identidade permitiam, enfim, constituir múltiplas personalid­ades.

O documento único é uma boa ideia, mas é necessário haver mais que ideias para não criar um novo papel a infernizar a vida do cidadão.

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