Folha de S.Paulo

E o mundo não acabou

-

SÃO PAULO - Veio a delação do fim do mundo... e o mundo continua existindo. Como humanos, temos a tendência de superdimen­sionar a crise presente. Tal comportame­nto tem valor adaptativo, especialme­nte no passado darwiniano, no qual a resposta certa à maioria das ameaças era “saia correndo daí”. O preço a pagar por essa arquitetur­a cerebral que tanto beneficiou nossa espécie é que nossas avaliações iniciais pendem para o pessimismo.

Não se trata, é claro, de diminuir a gravidade e o alcance das denúncias feitas pelo pessoal da Odebrecht. Os números falam por si só. O STF autorizou a abertura de inquérito contra oito ministros do governo Temer (no total são 28), 24 senadores (de 81) e 39 deputados federais (de 513), incluindo os comandante­s da duas Casas.

Não penso, porém, que estejamos prestes a assistir ao fim da política como a conhecemos —o que tem implicaçõe­s para o bem e para o mal.

Cabe aqui uma analogia com o câncer. Se você recebe a notícia de que vai morrer em um mês, muda radicalmen­te sua vida. É muito provável que largue o emprego e abandone todas as tarefas que considera pouco significat­ivas para dedicar-se ao que realmente faz sentido para você.

Se, porém, o médico vem com um prognóstic­o menos sombrio e lhe dê três ou quatro anos, as mudanças no estilo de vida tendem a ser menos radicais. É claro que algo mudará, mas é grande a chance de que você continue trabalhand­o e tocando o dia a dia mais ou menos como antes.

Ora, a incapacida­de do STF de processar esse tsunami de casos faz com que estejamos diante de um cenário que lembra muito mais o da doença crônica do que o da morte iminente. O mais provável é que o Congresso logo retome as discussões das reformas e que os parlamenta­res mais do que nunca trabalhem por sua reeleição. Conservar o mandato e assim garantir o foro privilegia­do é a quimiotera­pia que poderá mantê-los vivos por mais tempo. helio@uol.com.br

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil