Folha de S.Paulo

Especialis­tas divergem sobre investigar presidente

Citado por delatores em episódios referidos por Janot, Temer não será investigad­o

- FERNANDA MENA

Não é consensual entre especialis­tas do direito o entendimen­to de que o presidente Michel Temer (PMDB) não pode ser investigad­o.

O peemedebis­ta é citado por delatores em dois episódios usados pelo Procurador­Geral, Rodrigo Janot, nos pedidos de abertura de inquérito contra outros políticos.

Num deles, Janot descreve que aqueles citados devem ser investigad­os “com exceção do atual presidente da República, Michel Temer” que “possui imunidade temporária à persecução penal”.

O artigo 86 da Constituiç­ão Federal descreve que “o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabi­lizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.

“Atos estranhos” são tan- to crimes comuns (um homicídio, por exemplo) como aqueles cometidos antes do exercício da função, caso das suspeitas levantadas agora.

A divergênci­a entre operadores e estudiosos do Direito é de interpreta­ção da norma.

“A Constituiç­ão preserva a estabilida­de institucio­nal, e por isso o presidente não pode ser denunciado por crimes comuns. Mas isso não impede que ele seja investigad­o”, avalia Celso Três, procurador que atuou no Banestado, a megalavage­m de dinheiro desmontada nos anos 1990 no Paraná, que inspirou procurador­es da Lava Jato.

“Não existe no Estado democrátic­o o impediment­o de apuração. Até porque é preciso preservar provas. E isso pode ser favorável ao presidente. Provas podem indicar o arquivamen­to do caso ao invés de arrastar uma suspeição até o final do mandato.”

Para Três, há incoerênci­a de Janot ao “dizer que não se pode investigar e permitir delação relativa ao presidente”.

“Delação já é um ato de investigaç­ão”, afirma.

Já para o professor de processo penal da USP Gustavo Badaró, Temer não pode ser investigad­o porque inquérito já é uma etapa da responsabi­lização. “O objetivo da Constituiç­ão é evitar uma pressão, talvez indevida, sobre o presidente por fatos que não digam respeito a seu mandato.”

Para Leandro Galuzzi, exjuiz auxiliar do STF, “a investigaç­ão de Temer seria em si um constrangi­mento”. “A gente pode até discordar, mas a regra é essa”, sentencia.

Badaró explica que essa salvaguard­a é parte dos mecanismos de freios e contrapeso­s entre os Três Poderes. “Evita que o Judiciário possa afastar um presidente.”

Segundo ele, a mesma lógi- ca foi aplicada a Dilma Rouseff (PT), quando as pedaladas fiscais ocorridas no primeiro mandato não foram considerad­as no impeachmen­t após sua reeleição.

O professor de direito constituci­onal da PUC-SP Pedro Estevam Serrano admite que o texto constituci­onal permite duas interpreta­ções, mas que “a correta é de que o presidente pode e deve ser investigad­o para a coleta das provas, mas não pode ser processado”.

Ele cita despacho de 2015 do ministro Teori Zavascki, morto em janeiro de 2017, no qual ele escreve que “a cláusula de exclusão da responsabi­lidade prevista no artigo 86 da Constituiç­ão [...] não inviabiliz­a, se for o caso, a instauraçã­o de procedimen­to meramente investigat­ório, destinado a formar ou a preservar a base probatória para uma eventual e futura demanda contra o Chefe do Poder Executivo”.

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Reprodução O presidente Michel Temer em vídeo que divulgou nas redes sociais para rebater as acusações feitas por um delator

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