Folha de S.Paulo

Ex-presidente da Odebrecht compôs com amigo Caetano Veloso o clássico ‘Relance’, de Gal Costa

- ANNA VIRGINIA BALLOUSSIE­R

Bem antes de virar presidente da Odebrecht e depois um dos delatores da empreiteir­a com maior poder de fogo, Pedro Novis era o “Pedrinho”. Assim Caetano Veloso se refere ao amigo de longa data, baiano como ele, no livro “Verdade Tropical” (1997).

O depoimento de Novis à força-tarefa da Lava Jato pôs em maus lençóis políticos como o senador tucano José Serra, por ele acusado de receber € 2 milhões de caixa dois.

Em 2002, Emílio Odebrecht passou o comando de sua empresa a Novis. Seis anos depois, Emílio disse à Folha que o amigo de mais de quatro décadas era “um companheir­o meu desde o início”. Ele e Novis tinham “um acordo” para “terminar de formar o Marcelo”, seu filho —que virou presidente da Odebrecht naquele 2008 e hoje está preso.

Novis e Caetano também já foram parceiros. Juntos compuseram “Relance”, famosa na voz de Gal Costa (aquela só com verbos no imperativo que começa assim: “Pare, repare/ Cite, recite”). O primeiro fez a letra, e o segundo, a melodia.

Em artigo de 1985, o autor americano Charles Perrone (“Música Brasileira Popular e a Globalizaç­ão”), especialis­ta na poesia concreta de Haroldo de Campos, comparou a canção (que termina com “morra, renasça”) a um poema de Campos, “nascemorre”.

Até há poucos anos, os baianos costumavam se encontrar para jantar quando Caetano passava por São Paulo, segundo um amigo do executivo. Exmulher e empresária do artista, Paula Lavigne confirma a relação de Caetano e Pedro, “homem educadíssi­mo, fino, bem nascido”. “Amigos, amigos mesmo. Caetano é padrinho de Renata, filha de Pedrinho, seu amigo de infância.”

Na juventude, Novis também conheceu Tom Zé, que em janeiro lançou “Queremos as Delações”, na qual pedia a publicação das delações da Odebrecht em versos como “homologa esse cascalho”.

Caetano e Novis podem ser próximos, mas a relação do artista com a Odebrecht azedou em 2011. A empreiteir­a anunciou que ergueria um condomínio com oito prédios em Salvador e o batizaria de “Tropicália”, título do discomanif­esto que Caetano e Gilberto Gil lançaram em 1968.

Na época, o músico reclamou da obra à Folha: “Configura um uso parasitári­o de minha imagem pública. De resto, não gosto da febre de condomínio­s fechados no litoral ao norte de Salvador”.

Sua advogada notificou a Odebrecht. O conjunto já foi inaugurado, mas com outro batismo: “Parque Tropical”. Os edifícios ganharam nomes como “Mar” e “Vento”. Há unidades de até quatro suítes, com preços a partir de R$ 760 mil. A FAZENDA Caetano passou as férias do verão de 1964 “na fazenda da família de meu amigo Pedro Novis, no vale do Iguape, entre Santo Amaro e Cachoeira”, como conta em “Verdade Tropical”. “Eu adorava Pedrinho e estava maravilhad­o com a fazenda. Mas com poucos dias de estadia vi-me de súbito obcecado pelo pensamento de Maria Bethânia”, escreveu.

Caetano lembra que sua irmã tinha então lhe chamado atenção “para o que ela considerav­a a ‘vitalidade’ de Roberto Carlos e seus colegas de Jovem Guarda”. Eram os primeiros ventos “dessas ideias que vieram desembocar no tropicalis­mo”. Sentiu que deveria partir imediatame­nte, por pressentir que Bethânia “precisava de mim com urgência”.

Pedrinho ficou chateado. “Mostrou-se duplamente incrédulo ao ouvir tal historia: não existem premoniçõe­s, e eu só poderia estar envergonha­do de dizer que não queria mais ficar na fazenda”.

Em 2013, o portal “Pecuária em Foco” destacou o “geminiano” e “pai de três filhos” Novis, que lá descreveu suas raízes agropecuár­ias —o pai era um “aficionado” por nelores, uma raça de touros. Não remexeu no passado artístico.

Pensava, isso sim, no futuro, o seu e o da cria. Um filho virou presidente da Associação dos Criadores de Nelore do Brasil. Já ele estava com 67 anos e trabalhava num “planejamen­to”, a “visão 75”. Imaginava que até essa idade estaria com “capacidade de liderança”. Depois, chegaria a vez dos filhos cuidarem dele. Quatro anos depois, aguarda a ida para prisão domiciliar.

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Julio Bittencour­t - 20.set.2002/Valor/Folhapress O ex-executivo Pedro Novis, delator da Operação Lava Jato

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