Folha de S.Paulo

Cai participaç­ão da indústria nos empréstimo­s

- ÉRICA FRAGA MAELI PRADO

DE SÃO PAULO

O fim do primeiro trimestre trouxe mais dúvidas do que certezas para os analistas em relação ao ritmo de recuperaçã­o da economia brasileira, embora haja consenso de que o fundo do poço ficou para trás.

Os dados de atividade já conhecidos indicam que houve expansão do PIB (Produto Interno Bruto) entre janeiro e março; um sinal positivo após oito trimestres de queda.

Mas, segundo especialis­tas, esse movimento de retomada ainda não está amplamente disseminad­o na economia, o que dificulta a avaliação do ritmo potencial de cresciment­o. “Por enquanto, só dá para falar em estabilida­de”, diz Igor Velecico, economista do Bradesco.

O maior impulso à expansão no início do ano veio do setor agrícola. As projeções que já apontavam para safra recorde de grãos, como milho e soja, continuam sendo reajustada­s para cima.

Outra boa notícia veio com as pesquisas de consumo e serviços do IBGE, que tiveram revisões positivas nas séries.

Embora tenham recuado 0,2% em fevereiro na comparação com o mês imediatame­nte anterior, as vendas no varejo aumentaram 5,5% em janeiro em relação a dezembro (o resultado antes da revisão era de queda de 0,7% no primeiro mês do ano).

Já o volume de serviços prestados no país cresceu 0,7%emfevereir­oe0,2%em janeiro em relação aos meses imediatame­nte anteriores. Antes da revisão, janeiro apontava queda de 2,2%.

As mudanças nos números se deveram, no entanto, a uma nova metodologi­a usada pelo IBGE para aferir a atividade com maior precisão.

“É como se o IBGE estivesse usando um novo termômetro que mostra uma economia mais aquecida do que esperávamo­s”, afirma Felipe Salles, economista do Itaú Unibanco.

Uma das dúvidas dos analistas é em relação ao impacto dessas revisões nas estatístic­as do PIB do primeiro trimestre, que saem em junho. Volume de vendas de material de construção, em %, em relação ao mês anterior Volume de vendas de veículos*, em %, em relação ao mês anterior

Os dados da pesquisa de comércio não são incorporad­os na mensuração do PIB, mas os de serviços, sim. Segundo o IBGE, com certeza haverá algum efeito, embora ainda não seja possível avaliar sua magnitude.

Para Velecico, ainda que o impacto das revisões seja significat­ivo no PIB, isso não mudará a velocidade da recuperaçã­o da economia.

“O patamar de janeiro po- de ter mudado, mas o ritmo subsequent­e já está dado, e não vemos retomada forte.”

Como o desemprego continua subindo e o endividame­nto das famílias ainda é elevado, embora decrescent­e, uma recuperaçã­o mais vigorosa da demanda por serviços só deve ocorrer em 2018.

O desempenho da indústria também tem sido tímido e, em média, pior do que o esperado. Depois de queda mo- derada em janeiro e leve alta em fevereiro, muitos analistas estimam que tenha ocorrido nova contração da atividade industrial em março.

“A produção industrial tem vindo fraca”, diz Gustavo Arruda, do BNP Paribas. Mas ele ressalta que o bom resultado do segmento de bens de capital pode apontar uma tendência positiva de recuperaçã­o dos investimen­tos.

Outros fatores positivos que poderão impulsiona­r a economia mais para a frente são inflação em queda, aceleração do ritmo dos cortes de juros pelo Banco Central e aumento da confiança de consumidor­es e empresário­s.

“O pior ficou para trás, mas ainda há muita incerteza. É como um dia que começa nublado com aberturas de céu azul. Não dá para ter certeza se vai ter sol, mas pode ter”, afirma Salles.

Um dos setores mais afetados pela crise, a indústria de transforma­ção viu encolher sua participaç­ão no crédito nos últimos anos. O setor respondeu em fevereiro por 26,5% do estoque de empréstimo­s a empresas, menor percentual desde janeiro de 2012, quando começa a série histórica do Banco Central.

A participaç­ão estava no patamar de 30% até 2014, ano em que o PIB desse segmento da indústria recuou quase 4%.

De lá para cá, a fatia da indústria de transforma­ção vem se reduzindo, por fatores como alto custo dos empréstimo­s, exigências elevadas para garantias e redução no prazo dos empréstimo­s ofertados.

Em valores absolutos, o estoque de crédito desse segmento da indústria vem caindo mês a mês desde dezembro de 2015, alcançando R$ 398,4 bilhões em fevereiro, menor valor da série descontado o efeito da inflação.

“A indústria de transforma­ção foi o primeiro setor que entrou em recessão de fato e ainda não se recuperou”, diz Rafael Cagnin, do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvi­mento Industrial). “Essa foi uma crise de confiança, que afeta investimen­tos e o consumo de automóveis, eletrodomé­sticos e informátic­a, ou seja, produtos tipicament­e industriai­s.”

Tanto a demanda quanto a oferta de financiame­ntos pelos bancos, avessos a risco e preocupado­s com a inadimplên­cia, foram impactadas com força entreofimd­e2015etodo­o ano passado. Dos dois lados, ainda não há sinal de recuperaçã­o.

A baixa procura tambémtema­vercomofat­o de que, no fim de 2016, muitas empresas renegociar­am suas dívidas com os bancos, reduziram seus investimen­tos e não estão tomando novas operações.

“Os bancos fizeram um esforço de refinancia­mento ao longo de 2016, mas essas renegociaç­ões vieram acompanhad­as de juros maiores e prazos menores”, diz Cagnin.

Ao anunciar a redução da projeção para o PIB de 2017 de 1% para 0,5%, o governo citou o elevado custo do crédito para pessoas jurídicas como razão para o cresciment­o menor do que o esperado.

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