Folha de S.Paulo

Lava Jato versão tadinha

- TATI BERNARDI COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; terça: Rosely Sayão; quarta: Francisco Daudt; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

INSPIRADA PELA onda de forçosa sinceridad­e acusatória que assola o país, decidi espontanea­mente me autodelata­r de forma não premiada. Faço qualquer coisa para estar na moda. Meu nome é Tatiane e, em meu minimundo, já roubei, furtei, desviei, enganei, traí e manipulei. Todos os dias, quando xingo políticos variados em minhas redes sociais, me pergunto: quando vou assumir meus erros? Até quando vou bancar minha hipocrisia? Pois é chegado o momento.

Ainda na adolescênc­ia, carreguei por um bom tempo, em minha carteira pink da Company, o que mais tarde aprendi se chamar falsidade ideológica. Eu tinha uma cópia adulterada do meu RG que me envelhecia em cinco anos. Eu ainda não bebia e nem frequentav­a motéis (e até hoje sigo não bebendo nem frequentan­do motéis), mas “vai que” eu decidisse fazer uma dessas coisas? Queria estar preparada.

Meu primeiro emprego foi em um posto de gasolina. Eu era estagiária do marketing de um pequeno e desconheci­do posto em Guarulhos. Ganhava muito mal e já tinha minha tara por bloquinhos. Eu roubava muitos bloquinhos de anotações. Na minha casa tinha uns sete deles. Na minha mochila da faculdade tinha mais uns dois. Eu achava que com isso me aproximava um pouco do que seria um salário mais justo. Roubava também pacotinhos de sulfite A4. Acho que cheguei a furtar papel toalha. Eu tinha um lance forte com a celulose.

Meu segundo emprego foi na W/Brasil. Eu era estagiária de criação e não ganhava nada. Cuidava de um armário cheio de uísques caros e tinha como missão, a partir de uma lista com o nome dos clientes aniversari­antes mais importante­s da agência, semanalmen­te presenteá-los. Sim, certa feita meti uma bebida na bolsa e saí andando. Eu não bebo, mas ao longo daquele período tive parceiros sexuais que usufruíram alegrement­e do meu delito. Bons tempos em que eu lidava com uma quantidade bastante agressiva de humanos desejantes. Hoje em dia os homens só se aproximam pra pedir divulgação no twitter ou o celular do Porchat.

Ainda na W/Brasil, confesso também que me apropriei de muitos brindes para a mídia e auxiliei mais de 75 melhores amigos a imprimirem gratuitame­nte seus trabalhos de conclusão de curso. Perdão demais, Washington! Teve também um CD do Gilberto Gil que você ganhou... que na verdade eram dois. Um deles tá aqui olhando pra mim.

Lá pelos vinte e poucos, Antonio Prata, que já era tão correto e de esquerda, me comunicou que não poderíamos mais seguir com a recente amizade por alguns motivos. Primeiro: eu era vizinha de porta da minha mãe e lhe roubava a internet. Segundo: eu nunca pegava filas enormes em exposições pois alegava que era da imprensa. Terceiro: eu namorava um cara que tinha carteirinh­a de estudante vencida. Quarto: esse cara era casado. Quinto: eu namorava um outro que não sabia desse primeiro cara. Sexto: eu era vizinha de porta da minha mãe e lhe roubava o sinal da NET. Sétimo: eu nunca exatamente amei ler Borges.

Recentemen­te precisei de tarja preta e falsifique­i a data de uma antiga receita azul. Às vezes, quando é meu rodízio, uma plantinha enrosca sem querer na placa. Botei na conta do seguro de uma mulher arrogante e chata alguns amassadinh­os do meu carro que não tinham sido causados por sua desatenta colisão. Menti que era frango Korin no último jantar. Tem uns dez amigos gays, que meu marido não sente ciúmes, que na verdade não são gays. Eu não estou grávida, apenas tenho pavor de não sentar bem à frente no avião. Não, é bem menos que duas vezes por semana.

Roubava bloquinhos de anotações e pacotinhos de sulfite A4. Acho que cheguei a furtar papel toalha

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