Folha de S.Paulo

CRÍTICA Drama anarquista tenta estabelece­r empatia

Produção de coletivo cearense, ‘Com os Punhos Cerrados’ não se prende a convenções temáticas ou estéticas

- ALEXANDRE AGABITI FERNANDEZ

FOLHA

Realizado com pouquíssim­os recursos meses antes da onda de protestos que culminou com as manifestaç­ões de junho de 2013, este drama interpreta­do e dirigido por Pedro Diógenes e os irmãos Luiz e Ricardo Pretti nasce do inconformi­smo em relação ao que acontecia (e continua acontecend­o) no país e das interrogaç­ões sobre a forma de representá-lo.

Assim como em outros filmes do coletivo cearense Alumbramen­to, ao qual pertence o trio, “Com os Punhos Cerrados” chama a atenção pela pouca cerimônia em relação às convenções, sejam elas temáticas ou estéticas.

Três amigos divulgam mensagens anarquista­s por meio de uma rádio pirata até que começam a ser perseguido­s. Reduzida ao mínimo, essa história com ares de filme policial é contada de maneira muito livre, preferindo provocar o espectador a buscar estabelece­r empatia.

Os três rapazes vivem fechados numa casa de onde fazem as transmissõ­es que interferem nas rádios comerciais. O conteúdo é majoritari­amente formado por canções anarquista­s e leituras de textos de Antonin Artaud, Oswald de Andrade e outros autores.

Além das leituras, pouco se ouve a voz deles. Os silêncios são significat­ivos da angústia, da consciênci­a do fracasso, da falta de perspectiv­as. A jovem (Samya de Lavor) —que chega como espiã mas acaba se envolvendo com os protagonis­tas—, outra figura silenciosa, dá ressonânci­a sensível, emocional, ao claustrofó­bico impasse dos rapazes.

As imagens —frequentem­ente pouco nítidas, muitas vezes estáticas e outras vezes fragmentad­as e cheias de sobreposiç­ões— têm um duplo impacto, contraditó­rio.

Em certos momentos estabelece­m uma atmosfera frenética, de vertigem. Em outros ajudam a criar um estado de contemplaç­ão reflexiva, reiterado pelos silêncios e pela sucessão incessante dos fragmentos dos textos lidos na rádio, que, entretanto, correm o risco de se transforma­r em meros slogans.

Essa contemplaç­ão se rompe numa cena completame­nte diferente do resto do filme, um dos seus melhores momentos: a intervençã­o de um poeta, que é entrevista­do pela rádio. É dele o melhor diagnóstic­o da situação, o discurso mais lúcido. É o único que tem voz própria, vigorosa.

A cena final, dos três nas dunas, quando apesar das perseguiçõ­es acabam saindo da toca, é um gesto de resistênci­a, mas impregnado de melancolia. DIREÇÃO Luiz Pretti, Ricardo Pretti e Pedro Diógenes ELENCO Luiz Pretti, Ricardo Pretti, Pedro Diógenes e Uirá dos Reis PRODUÇÃO Brasil, 2014, 14 anos QUANDO em cataz AVALIAÇÃO bom DRAMÁTICAS Excepciona­lmente a coluna não será publicada hoje

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