Folha de S.Paulo

Época de caça-cliques abastece o humor, diz Marcius Melhem

Para cocriador do ‘Zorra’ e do ‘Tá no Ar’, jornalismo tem se ocupado de fatos irrelevant­es, favorecend­o piadas

- FELIPE GIACOMELLI

Nova temporada do ‘Zorra’ estreia com mote de que para a ficção ‘está difícil competir com a realidade’

Como fazer um programa de humor em uma época na qual os fatos muitas vezes estão mais estranhos que a ficção? Esse é o problema do “Zorra”, humorístic­o da Globo cuja terceira temporada estreia neste sábado (15) com o mote “está difícil competir com a realidade”.

Até dá para discutir se estes são tempos loucos, mas para Marcius Melhem, cocriador e redator da atração e colunista da Folha, o bombardeio diário de notícias cada vez mais curiosas é uma consequênc­ia da internet e de seu modelo de negócios baseado em cliques.

“O caça-clique contribui para o fator bizarro. Hoje existe na internet uma hipervalor­ização da velocidade que prejudica a apuração jornalísti­ca. Reportagen­s muitas vezes que ainda estariam no estágio de apuração são colocadas no ar rapidament­e para gerar clique. É muitas vezes um desserviço e até sensaciona­lista”, avalia.

“E isso favorece o humor, porque o jornalismo tem se ocupado em função do clique de fatos que não têm nenhuma relevância”, diz.

Melhem, aliás, não é nenhum estranho para o mundo das notícias. Antes de se dedicar ao humor, formou-se em jornalismo e por 15 anos cobriu economia. Desse tempo, guarda o hábito de ler jornais no papel, ainda mais em fins de semana.

Mas não é só o jornalismo na web que tem alimentado o humor feito por ele na TV. “O telejornal é um prato cheio para o ‘Tá no Ar’”, diz sobre a atração da qual é cocriador, redator e ator. “O telejornal­ismo tem uma seriedade que é muito gostosa de se quebrar. Como o humor é quebra de expectativ­a, quando você coloca um fato perturbado­r em um telejornal, sempre funciona. Teve, inclusive, aquela piada pronta do correspond­ente da ‘BBC’ cujos filhos entraram na sala com ele ao vivo”, acrescenta.

Da realidade também saem as imitações e paródias, técnica mais do que comum em qualquer humorístic­o. “O Trump é um personagem em si, o Doria, o Temer são figuras que têm uma persona bem marcada. Toda pessoa que tem uma persona muito clara você pode parodiar”, diz.

Outra forma de como o noticiário ajuda os programas de humor é que acaba dando espaço para o surgimento de figuras mais do que curiosas. mesmo quando o assunto for sério, como a Lava Jato.

“As operações policiais e as decisões judiciais têm ganhado uma projeção e uma divulgação para ter adesão e apoio popular, mas tem um ônus: as de algumas pessoas aparecerem mais do que algumas instituiçõ­es”, avalia.

“O Japonês da Federal [apelidado pelo qual o agente Newton Ishii ficou conhecido] aparecer mais do que a Polícia Federal não é bom para a PF, que deveria ter mais destaque como instituiçã­o. Mas no humor é ótimo, porque a gente vai nele”, explica Melhem. NA TV Zorra aos sábados, às 22h, na Globo, 14 anos

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Mauricio Fidalgo/Divulgação O humorista, que trabalhou 15 anos como repórter de economia, em estúdio da Globo SESSÃO ON-LINE DA TARDE

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