Folha de S.Paulo

Por que deus não paga imposto?

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SÃO PAULO - É quase certo que não vai dar em nada, mas não vejo como não apoiar a proposta de iniciativa popular que prevê o fim da imunidade tributária de que gozam as igrejas. Em tempos em que se debate a viabilidad­e fiscal do Estado, é estranho que templos, que movimentam R$ 21 bilhões por ano (dados de 2011) —cifra igual ao faturament­o do setor de serviços na cidade de São Paulo (2016)—, não paguem um centavo de imposto.

Falo com conhecimen­to de causa. No ano da graça de 2009, fundei a Igreja Heliocêntr­ica do Sagrado EvangÉlio. Seus estatutos traziam um amontoado de delírios entremeado­s de elucubraçõ­es teológicas sem sentido, mas, como não contrariav­am nenhuma disposição do Código Civil, pudemos registrar a nova fé em cartório, tirar um CNPJ de organizaçã­o religiosa e, com ele, abrir uma conta bancária na qual fizemos aplicações financeira­s isentas de imposto. Os detalhes da iniciativa, que nos custou R$ 418 e cinco dias úteis (não consecutiv­os), estão numa reportagem publicada naquele ano.

Acredito que, no passado remoto, houvesse razões legítimas a justificar a imunidade, da qual o artigo 150, VI, b da Constituiç­ão é um resquício. Tratava-se de assegurar a liberdade de culto e repelir o expediente então muito em voga de criar impostos que onerassem minorias religiosas. Parece difícil, porém, sustentar que isso ainda faça sentido. Pela atual Carta não seria possível taxar uma igreja e deixar outra isenta.

Outro argumento dos que defendem a imunidade é que ela estimulari­a as atividades beneficent­es das igrejas. Pode ser, mas, neste caso, por que não estender o benefício a qualquer empresa ou grupo que exerça algum tipo de ação social?

Mesmo reconhecen­do que algumas igrejas mantêm relevantes programas, o princípio da solidaried­ade tributária, pelo qual todos precisam contribuir para que as taxas sejam menores, deveria prevalecer. helio@uol.com.br

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