Folha de S.Paulo

Aquele que não pode ser nomeado

- GREGORIO DUVIVIER COLUNISTAS DA SEMANA: quinta: José Simão, sexta: Ricardo Araújo Pereira, sábado: José Simão, domingo: Marcius Melhem, segunda: Gregorio Duvivier, terça: José Simão

HOUVE UM tempo em que a principal preocupaçã­o dos pais em relação aos filhos eram as drogas. Já não são. Cada dia que passa, mais pré-adolescent­es se dizem fãs do Bolsonaro. Em todo país, crianças se reúnem em praças para trocar torturinha­s. Uma menina diz que bandido bom é bandido morto, o amigo rebate alegando que ela é tão feia que não merece ser estuprada. E assim funcionam as bolsolândi­as, regiões assim denominada­s pela alta incidência de bolsominio­ns.

O fato é que o Bolsonaro se tornou a nova Galinha Pintadinha — mas com menos sofisticaç­ão. Ambos são galináceos e ambos estão roubando nossa juventude. Além disso, ambos tratam a questão do gênero como estritamen­te binária (“a galinha usa saia/e o galo paletó”) e ambos falam o que pensam, e parecem pensar muito pouco. A diferença entre os dois é que a lei eleitoral proíbe a Galinha Pintadinha de se candidatar à Presidênci­a. E a Galinha Pintadinha nunca defendeu a tortura —embora, em certa medida, a tenha praticado.

Bolsonaro lembra aquele namorado da sua irmã que bebe demais no Natal e estraga a noite de todo o mundo contando piadas racistas e vomitando no carpete. Não adianta dizer pra sua irmã que ele é um babaca. As paixões crescem quando proibidas: vide Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, e, claro, Maiara e Maraísa (“Nossa paixão pega fogo escondidin­ho/ a gente se ama gostoso em qualquer lugar”). Ao mesmo tempo, algo precisa ser feito ou Em todo país, crianças se reúnem para trocar torturinha­s; assim funcionam as bolsolândi­as, com alta incidência de bolsominio­ns sua irmã pode engravidar desse sujeito e — tcharã — ano que vem você terá bolsobabys vomitando no sofá e comendo o cocô do cachorro.

A verdade é que ninguém sabe o que fazer com a galinha verde-oliva. Há quem diga que não se deve sequer mencioná-lo. Assim como Voldemort, devemos chamá-lo apenas de Você-sabe-quem ou Aqueleque-não deve ser nomeado. Da minha parte, acho que ignorar o elefante na sala não faz com que o elefante suma da sala — e não faça um cocô gigantesco.

Por isso sou a favor da legalizaçã­o de todas as drogas, incluindo o Bolsonaro. Funcionou muito bem com o tabaco. Por mim, você pode curtir Bolsonaro à vontade, assim como você pode fumar seu Derby —mas numa distância de 5 metros da calçada, e a cada declaração do deputado com saudade da ditadura você tem que mostrar fotos das crianças torturadas no período e uma advertênci­a do ministério da democracia: “Pedir intervençã­o militar não te fará imune à prisão, tortura ou desapareci­mento numa eventual ditadura”.

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Catarina Bessell

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