Folha de S.Paulo

O mochileiro das propinas

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RIO DE JANEIRO - O homem de terno, gravata e sapatos bicudos pegou a linha verde do metrô em Botafogo. Era o meio da tarde, o vagão não estava lotado e todos os passageiro­s imediatame­nte o olharam. Ele trazia uma mochila bastante cheia grudada ao peito e disfarçava o nervosismo.

A situação materializ­ou mais uma espantosa notícia de nossos tempos: o corruptor da Odebrecht Fernando Migliaccio, com toda sua expertise, havia garantido na deduragem à Lava Jato que, dependendo das cédulas, cabiam até R$ 2 milhões ou R$ 3 milhões dentro de uma simples mochila como aquela que o homem carregava.

“Esse tem cara de ser da turma do Cabral e do Pezão”, pensou a dona de casa, em choque com a revelação de que o ex e o atual governador do Rio receberam da empreiteir­a, desde 2006, R$ 120 milhões. No esquema, a execução de obras superfatur­adas, entre as quais a construção de casas na região serrana, após a tragédia das chuvas em 2011 que deixou 900 mortos.

“Com essa pinta de príncipe decadente e ar de arrogância, o cara só pode ser um dos garotos do Eduardo Paes”, decidiu o estudante que ocupava o lugar preferenci­al dos idosos. Nas delações, o ex-prefeito aparece como beneficiár­io de R$ 11,6 milhões em espécie (quantia suficiente para encher quatro mochilas) e US$ 5,75 milhões em contas no exterior. O dinheiro irrigaria a campanha da reeleição em 2012, quatro anos antes da Olimpíada.

“É torcedor do Goytacaz lá de Campos”, definiu o desemprega­do que se equilibrav­a no balaústre, ligando o mochileiro ao casal Garotinho e Rosinha, suspeito de receber R$ 12 milhões no caixa dois.

Antes de saltar na Cinelândia, o homem falou, com a cabeça baixa: “É uma acusação falsa, totalmente desprovida de provas. Sou o maior interessad­o no esclarecim­ento de toda essa situação”.

Entre 1985 e 1988, colaborei com a Folha em editoriais voltados aos temas urbanos. Nesses 30 anos, muito do que foi ali defendido se transformo­u em políticas públicas ou em marcos institucio­nais. Retorno à página A2, agora com textos assinados, com a disposição de mostrar que o enfrentame­nto da questão das cidades é essencial para a construção de um novo projeto nacional para o Brasil, indispensá­vel no momento difícil que vivemos. NABIL BONDUKI

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