Folha de S.Paulo

O cérebro causídico

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SÃO PAULO - Se a metade ou apenas 1/3 das acusações feitas pelos 77 executivos da Odebrecht são verdadeira­s, como podem os políticos mencionado­s pelos delatores negar tudo sem nem mesmo enrubescer?

Seres humanos contamos com um excelente advogado de defesa, que é o nosso cérebro, mais especifica­mente algumas estruturas no hemisfério esquerdo que o neurocient­ista Michael Gazzaniga chama de intérprete do lado esquerdo. Esse intérprete não apenas nos instrui em relação ao que devemos dizer diante do juiz para “provar” a nossa inocência como ainda tenta, com graus variados de sucesso, convencer os demais circuitos neuronais de que as desculpas que utilizamos são dignas de crédito. Afinal, sabe-se que a mentira mais convincent­e é aquela em que o próprio mentiroso acredita.

A tarefa do cérebro advocatíci­o é facilitada quando o político toma certas providênci­as como nunca mencionar valores, fazer questão de ignorar os detalhes das negocia- ções e mesmo retirar-se da sala nos momentos em que seus assessores tratarão dos detalhes de entrega. A crer nos vídeos dos delatores, os políticos mais espertos, um pouco por conhecimen­to e muito por instinto, sempre cuidavam de manter-se em cenários em que a negação se tornaria plausível. O cérebro, afinal, não precisa de mais do que um fiapinho de razão para nela agarrar-se.

Robert Wright, autor de “Animal Moral”, tem uma frase lapidar sobre isso que gosto de citar: “O cérebro é como um bom advogado: dado um conjunto de interesses a defender, ele se põe a convencer o mundo de sua correção lógica e moral, independen­temente de ter qualquer uma das duas. Como um advogado, o cérebro humano quer vitória, não verdade; e, como um advogado, ele é muitas vezes mais admirável por sua habilidade do que por sua virtude”.

Mais habilidade do que virtude é uma fórmula que resume bem o atual estado da política no Brasil. helio@uol.com.br

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