Folha de S.Paulo

Fronteira tem cenário bucólico e ‘sumiço’ de soldados

- ALENCAR IZIDORO

O vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, alertou a Coreia do Norte nesta segunda-feira (17) de que nem seu país nem a Coreia do Sul irão tolerar novos testes nucleares e de mísseis do regime norte-coreano, e que os ataques na Síria e no Afeganistã­o mostraram a determinaç­ão dos EUA.

Falando um dia após um teste de míssil norte-coreano fracassado e dois dias depois de uma grande exibição de mísseis de Pyongyang, Pence e o presidente interino sulcoreano, Hwang Kyo-ahn, também disseram que irão fortalecer as defesas contra a Coreia do Norte adiantando a instalação do sistema de defesa antimíssei­s Thaad.

“A era da paciência estratégic­a” dos EUA com Pyongyang acabou, afirmou Pence durante visita à zona desmilitar­izada, área que divide os território­s da Coreia do Norte e da Coreia do Sul.

“Todas as opções estão na mesa para conquistar os objetivos e garantir a estabilida­de do povo deste país”, disse.

Pence, porém, também lembrou que Washington busca a segurança “por meios pacíficos, através da negociação”. O vice-presidente americano fez sua primeira parada de uma turnê por quatro nações da Ásia concebida para mostrar aos aliados dos EUA que o governo Trump não irá dar as costas à região cada vez mais volátil.

Na aparição conjunta, Pence disse que a Coreia do Norte deveria dar atenção às ações e intenções do presidente Donald Trump, que nesta segunda-feira, questionad­o sobre se tinha uma mensagem ao ditador norte-coreano, afirmou que Kim Jongun “precisa se comportar”.

“Só nas últimas duas semanas o mundo testemunho­u a força e a determinaç­ão de nosso novo presidente em ações realizadas na Síria e no Afeganistã­o. A Coreia do Norte faria bem de não testar sua determinaç­ão ou o poderio das Forças Armadas dos Estados Unidos nesta região”, declarou Pence.

Na madrugada do dia 7, os EUA alvejaram uma base aérea síria com 59 mísseis em retaliação a um ataque químico. Na última quinta-feira (13), lançaram “a mãe de todas as bombas”, o maior artefato não nuclear que o país já usou em combate, contra uma rede de cavernas e túneis usados pela facção terrorista Estado Islâmico no leste do Afeganistã­o.

Horas depois, indagado se o lançamento dessa bomba enviava alguma mensagem para o regime norte-coreano, Trump respondeu: “A Coreia do Norte é um problema, um problema que nós resolverem­os”.

“Nós iremos para a guerra se eles escolherem”, rebateu o vice-chanceler da Coreia do Norte, Han Song Ryol, na sexta-feira (14). CARTA A ASSAD A agência de notícias estatal norte-coreana KCNA publicou nesta segunda-feira uma carta do líder do país, Kim Jong-un, ao ditador sírio Bashar al-Assad, celebrando o 70º aniversári­o da independên­cia da Síria.

“Volto a expressar um apoio e uma aliança fortes com o governo sírio e seu povo por seu trabalho de justiça, condenando o ato violento e invasivo recente dos Estados Unidos contra seu país”, escreveu Kim.

O cenário é bucólico: silêncio, montanhas, árvores. Não parece fazer parte de uma região que já foi chamada pelo ex-presidente dos EUA Bill Clinton como “a mais assustador­a da terra”.

Também não parece refletir a tensão recente da península coreana. E não há sinais de que, quatro horas antes, Mike Pence, vice-presidente do EUA, havia passado bem perto, em outro trecho da zona desmilitar­izada —espécie de faixa de segurança. Estabeleci­da desde 1953 para separar os limites entre as repúblicas coreanas, ela ocupa 2 km de largura de cada país, ao longo de 250 km da divisa.

Na tarde desta segunda-feira (17), a Folha viajou à fronteira, no ponto mais próximo das Coreias do Sul e do Norte.

A reportagem esteve acompanhad­a de K., 43, funcionári­o do Ministério da Defesa da Coreia do Sul que pede para ter sua identidade preservada, e do motorista Kim Yoonseok, 57. Foi vigiada por um soldado, encarregad­o de monitorar todos os deslocamen­tos em um carro separado.

No observatór­io de Dora, a cidade de Kaesong, onde há um complexo industrial, é o ponto da Coreia do Norte que se avista mais próximo, com binóculos, a partir do lado sul-coreano. Uma bandeira vermelha hasteada logo após a linha divisória exalta que a a área faz parte dos domínios do regime comunista.

Desta vez, não se vê nenhum soldado norte-coreano por perto. “Geralmente tem ao menos cinco homens aqui, é uma área marcada por provocaçõe­s”, diz K., que chega a estranhar a ausência, ainda que temporária, num momento de recente tensão.

Mesmo no lado da Coreia do Sul há poucos militares nesse pedaço da fronteira, considerad­a uma das mais vigiadas do mundo. Em duas horas e meia de permanênci­a com deslocamen­tos pela região de acesso restrito, a Folha viu entre 20 e 30 homens.

Mais cedo, Mike Pence chegou a ser observado por dois militares norte-coreanos (e filmado por um deles) durante a visita a Panmunjeom, em trecho vizinho, na zona. ACESSO CONTROLADO “Claro que há sempre tensão, mas não se preocupe, às vezes é mais para conseguir entrar”, diz Kim, antes de guiar a reportagem na viagem de uma hora a partir de Seul. O acesso rigidament­e controla- Fronteira norte-coreana Seul 56 km do é a caracterís­tica que mais aproxima esse trecho da fronteira de um ambiente sob ameaça de guerra.

De modo geral, um jornalista precisa obter autorizaçã­o duas semanas antes para visitar e fazer imagens. No caso de turistas, com acesso a pontos específico­s, 72 horas —e esse tipo de visita não é feito às segundas-feiras.

Na barreira antes da área de acesso restrito para civis, a reportagem é retida por 15 minutos pelos militares sulcoreano­s, apesar da presença do representa­nte do Ministério da Defesa. O passaporte ficará lá até a saída. HOSTIL E FABRICADO Esse trecho da fronteira fica a cerca de 60 km de Seul e a pouco mais de 200 km de Pyongyang, capital norte-coreana. Conhecida como DMZ, a zona desmilitar­izada, que se estende por toda a divisa e é resultado do armistício após a guerra de 1950-53.

Ela tem histórico de provocaçõe­s e incidentes, o que inclui mortes, túneis que seriam usados para espionagem pelo regime comunista e, há dois anos, uma guerra de propaganda por meio de alto-falantes dos dois lados.

Já na área de acesso restrito e controlado próxima à fronteira, o ambiente é mais ameno. Ali, em um vilarejo, moram cerca de 60 famílias. Com isenção de taxas governamen­tais, vivem de agricultur­a e turismo —inclusive cenários fabricados para isso.

Perto das casas do local, uma cerca de arame farpado separa uma parte do terreno. “É só simbólico”, explica K., já que ali não haveria nada a ser isolado (e o limite só separa um trecho de dez metros).

Um prédio administra­tivo, correspond­ente à prefeitura local, exibe uma série de altofalant­es. Nesse caso, diz K, há utilidade —seja dar avisos corriqueir­os a moradores seja para eventuais alertas de emergência, como na eventualid­ade de conflito na fronteira.

Com sete anos de trabalho no Ministério da Defesa após servir outros cinco nas Forças Armadas, K. diz acreditar que as recentes ameaças não passam de retórica da Coreia do Norte para fortalecer seu regime internamen­te.

Ele conduz a reportagem à saída da área de controle, onde o passaporte é devolvido. Após a visita, conta a a conversa que teve no final de semana com o filho de 11 anos. “Ele me procurou para perguntar: ‘pai, a guerra vai começar?’ Respondi a verdade que acredito mesmo: ‘Não filho, pode se acalmar.’”

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Lee Jin-man/Associated Press O vice-presidente dos EUA, Mike Pence (centro), chega à fronteira das Coreias com generais sul-coreanos e americanos
 ??  ?? Turistas perto da divisa, em área com ‘militar’ de papelão (acima); no alto, sul-coreano observa a Coreia do Norte
Turistas perto da divisa, em área com ‘militar’ de papelão (acima); no alto, sul-coreano observa a Coreia do Norte
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Fotos Alencar Izidoro/Folhapress
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