Muçulmanos na França afirmam não ter candidato
Em feira islâmica perto de Paris, participantes reclamam de falta de representantes e temem vitória de Le Pen
Seguidores da religião, que perfazem 7,5% da população do país, são alvo de discursos nacionalista e populista
A estudante Shayma Lachiheb, 18, ainda não sabe se vai votar nas eleições francesas. Caso vá às urnas no próximo domingo (23), tampouco sabe quem escolher. Talvez o centrista independente Emmanuel Macron. Talvez não.
Ela tem, no entanto, uma certeza: não dará seu voto para Marine Le Pen, candidata pelo partido de extrema direita Frente Nacional.
Le Pen tem feito campanha contra migrantes e muçulmanos. Lachiheb é filha de tunisianos e segue o islã.
Essa convicção sobre as eleições foi repetida por diversos outros franceses encontrados pela Folha dentro do 34º Encontro Anual dos Muçulmanos da França, em um subúrbio parisiense.
O evento reuniu quase 200 mil pessoas entre 14 e 17 de abril em um conjunto de hangares em Le Bourget.
Havia tendas de comida servindo quitutes árabes, vendedores de tapete e um concurso de recitação do Alcorão, livro sagrado do islã.
Política também —um dos eventos do calendário oficial era uma mesa redonda de título “11 candidatos à Presidência, em quem votar?”
“Estamos tentando nos encontrar, ao mesmo tempo como franceses e como muçulmanos”, diz Lachiheb, que estuda na Faculdade de Ciências Islâmicas de Paris. “É o nosso país, nascemos aqui, mas não temos um candidato que nos defenda.” EXPULSÃO Os muçulmanos representam 7,5% da população francesa, segundo um estudo do Centro Pew de 2010, entre um total de 66 milhões.
Apesar dos convites feitos pela organização do encontro, nenhum dos 11 candidatos compareceu ao evento ou enviou representantes.
Os líderes das pesquisas de opinião, Le Pen e Macron, empatados com 22% dos votos, participaram de comícios França Insubmissa (extrema esquerda) François Fillon Os Republicanos (direita) Benoît Hamon Partido Socialista (esquerda) em outros pontos da capital nesta segunda (17).
“Os políticos usam os muçulmanos para assustar os jovens”, diz Nadra Hamila, 35, da organização do evento. Eles são descritos como potenciais terroristas ou invasores, por exemplo, no discurso radical de Le Pen.
A programação oficial do encontro descreveu portanto, em seu folheto oficial, a “ameaça da extrema direita” como um dos principais temas a abordar durante os quatro dias de atividades.
“Estamos dizendo às pessoas que elas têm que se posicionar e participar das eleições”, afirma Hamila. “A participação de muçulmanos ainda é muito baixa, por desinteresse ou porque seguem uma interpretação radical do islã que proíbe o voto.”
Mas o desinteresse pela política tem se reduzido, diz Abu Saleh, 57, enquanto vende esfihas em uma tenda para arrecadar fundos aos refugiados sírios. Nascido em SHAYMA LACHIHEB estudante, filha de tunisianos
ABU SALEH
comerciante sírio
“É o nosso país, nascemos aqui, mas não tem candidato que nos defenda Precisamos votar se quisermos continuar aqui. Um presidente racista como Le Pen pode nos expulsar
Aleppo e radicado na França, ele irá às urnas domingo.
“Nós precisamos votar se quisermos continuar aqui”, afirma. “Uma presidente racista como Le Pen pode tentar nos expulsar do país.”
A perspectiva assusta parte dessa população, incluindo aqueles que não têm o direito ao voto, como Sam Bada, 24, que migrou de Damasco há seis anos, escapando da guerra civil síria.
“Espero que Le Pen não vença. Ela fala sobre o terrorismo no islã, e não é verdade”, diz, e aponta ao estande onde seu pai vende um livro sobre o amor no Alcorão.
Le Pen foi acusada de racismo ao comparar, em 2010, muçulmanos rezando nas ruas à ocupação nazista. IDENTIDADE Em alguns estandes, os visitantes do evento recolhem folhetos com preços para a peregrinação a Meca. Em outros, doam dinheiro a ações humanitárias na Síria.
Há também uma réplica do Domo da Rocha, um simbólico monumento islâmico no centro de Jerusalém, e também uma tenda para a emissão de fátuas, nome dado às opiniões religiosas.
A variedade das atrações reflete a dos participantes e seus contextos, em oposição à concepção populista de uma identidade francesa “pura”.
“Não entendo o que a Frente Nacional quer”, diz Mazin Soumahoro, 29, enquanto pede doações para abrir poços d’água em países como o Mali. “É uma visão retrógrada sobre o que é o povo francês.”