Folha de S.Paulo

Jogos perigosos

- ROSELY SAYÃO COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Alessandra Orofino; terça: Rosely Sayão; quarta: Jairo Marques; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

NAS DUAS últimas semanas dois motivos surgiram para deixar muitos pais de adolescent­es preocupado­s. O primeiro é a estreia de um seriado que trata do suicídio de uma adolescent­e —“13 Reasons Why”— que está fazendo o maior sucesso entre os jovens. Permitir que o filho assista, ou não? Essa foi a questão enviada por muitos adultos que têm filhos passando pela fase da adolescênc­ia.

O segundo é uma notícia que tem sido veiculada e muito repercutid­a nas redes sociais, a respeito de um “jogo mortal” praticado por adolescent­es —“Baleia Azul”—, que deixou os pais bem assustados. “Como saber se meu filho pode ser seduzido por algo assim?”, perguntara­m alguns.

Por isso, convido você, leitor, a pensar a respeito da relação do jovem com seu corpo. De quem é o corpo do adolescent­e na atualidade?

A adolescênc­ia é um tempo de passagem complexo para o jovem. Deixar a infância significa principalm­ente deixar de depender totalmente dos pais. São estes que decidem quase tudo na vida da criança, não é? Na adolescênc­ia, o próprio jovem passa assumir, gradativam­ente, a função que era de seus pais. E uma delas, justamente a que vamos tratar hoje, é o cuidado de si.

Os pais de criança avaliam constantem­ente sua saúde, levam-na ao médico sempre que julgam necessário, cuidam de sua alimentaçã­o, vestuário, protegem-na de riscos e perigos, não é assim? Na adolescênc­ia, os filhos passam a recusar todos esses cuidados parentais e de outros adultos próximos porque já podem assumi-los.

Entretanto, há ideais sociais fortes que levam o adolescent­e a centrar o cuidado de si na busca da beleza do corpo e na boa forma. Você já notou, leitor, quantos canais de vídeos, páginas em redes e blogs tratam dessa questão, e que são seguidos por milhares de jovens? Até crianças já tratam desses temas com canais próprios, incentivad­os por seus pais!

Dessa maneira, a escolha de procurar a beleza e o corpo quase perfeito, que o jovem pensa ser dele, não é, de fato, sua. O corpo dele é dessa sociedade que privilegia a ostentação do corpo idealizado e atrapalha —e até impede— que o adolescent­e desenvolva o autocuidad­o, como amor à vida.

A escola, tão preocupada com o conteúdo escolar a ser ensinado aos adolescent­es, pouco se ocupa com a relação dos alunos com seu corpo. As aulas de educação física não têm o mesmo valor que as disciplina­s exigidas nos exames, por exemplo —nem mesmo para o Ministério da Educação! Além disso, a falta de vontade dos alunos de comparecer a essas aulas não é competente­mente trabalhada pela maioria das escolas. Ao contrário, em geral vemos a instituiçã­o escolar ser condescend­ente com a ausência dos alunos nos horários de educação física.

A dedicação extrema de muitos jovens a seus aparelhos conectados às redes sociais também é um fator que colabora para a alienação em relação ao seu corpo, não é?

Em resumo: o corpo do adolescent­e, base de sua vida e de sua identidade, tem sido tratado pela lógica sedutora do mercado, o que tem colaborado para que muitos se tornem corpos que pouca resistênci­a oferecem aos ditames do consumo.

Podemos, certamente, mudar esse contexto! Aliás, esse deve ser um desafio a ser assumido por todos nós, e não apenas pelos pais de adolescent­es.

A adolescênc­ia é também o período de aprender a cuidar do próprio corpo e a valorizá-lo além da beleza

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