Folha de S.Paulo

Maniqueísm­o e furor

É farsesca a tentativa de tratar o depoimento de Lula a Sergio Moro como um confronto decisivo entre forças políticas antagônica­s

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A expor ramificaçõ­es na quase totalidade do mundo partidário, a Operação Lava Jato certamente não se resume a combater o legado de corrupção sistêmica que se fortaleceu, talvez de forma inédita, a partir da ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao poder.

Sem dúvida, é intenso o processo de desmascara­mento daquele que, por décadas, obtinha o respeito até mesmo de seus adversário­s pela suposta autenticid­ade de suas convicções e compromiss­os.

As suspeitas, que ainda estão por ser definitiva­mente provadas, somam-se ao fato inegável de que, como se viu desde o mensalão, o partido do ex-presidente revelou extremo pendor e pertinácia para operar ao arrepio da lei.

Um clima de passionali­dade e de exaltação dá sinais de acentuar-se, contudo, na medida em que o processo da Lava Jato segue seus passos incontorná­veis e se aproxima da figura de Lula.

Planejam-se, pelo que foi noticiado, manifestaç­ões favoráveis e contrárias ao ex-presidente quando se der sua primeira confrontaç­ão com o juiz Sergio Moro, no próximo dia 3 de maio, em Curitiba.

Estariam sendo preparadas caravanas, em ônibus e motociclet­as, para prestar solidaried­ade ao petista. Do lado oposto, inflam-se os conhecidos pixulecos com a imagem de um Lula presidiári­o, acompanhad­os de outra frota de motociclet­as, para a ocasião.

É normal, numa circunstân­cia dessas, e não é estranho a qualquer democracia que adeptos e adversário­s queiram medir forças e externar suas convicções, desde que sem violência e depredação.

Parece irrealista e desequilib­rada, todavia, a atitude de ver nessa primeira audiência uma espécie de confronto entre o bem e o mal, de “hora do juízo” ou “combate do século”, como alguns dos empenhados nas movimentaç­ões já se prestam a qualificá-la.

Ainda que Lula seja, obviamente, nome central em todo o processo da Lava Jato, não é o único, nem o inventor de um sistema de corrupção eleitoral de décadas.

Do mesmo modo, nada mais perigoso do que ver em Moro uma espécie de salvador da pátria, sem cujo concurso estaríamos submersos irremediav­elmente na corrupção.

As instituiçõ­es são maiores e mais fortes do que tais personagen­s, cada qual com seus exageros. Lula manobra para atrasar o processo, convocando 87 testemunha­s em sua defesa. Moro retalia, exigindo a presença do ex-presidente em todas as audiências.

O embate jurídico prosseguir­á por muito tempo; não há como confundi-lo com o jogo político, e este, por sua vez, não amadurece nem se resolve num clima de maniqueísm­o, de irrealidad­e e de furor. BRASÍLIA -

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