Folha de S.Paulo

Olha quem está falando

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SÃO PAULO - “Há um Brasil que dá certo e aparece pouco nos meios de comunicaçã­o. O destaque é sempre dado ao escândalo do dia.” Assim pensava Emílio Odebrecht em 2010, conforme escreveu nesta Folha. Sete anos pelo jeito mudam muita coisa, pois hoje sua visão é diferente.

Aquela mesma imprensa que ele reputava combativa demais agora trata cada escândalo “como se fosse surpresa”, segundo disse aos procurador­es. “Me incomoda isso.”

Não é só a nova angulação do incômodo que impression­a. Emílio ficou bilionário montado num esquema de corrupção, como a Odebrecht admite. É incrível que, tendo engordado o bolso com dinheiro que deveria estar nos cofres públicos —não propriamen­te um exemplo profission­al—, ele se sinta confortáve­l em opinar sobre o trabalho dos jornalista­s.

Talvez o empresário tenha conseguido comprar uma voz aqui e outra acolá. Mas o sentido do que diz sobre a imprensa não é verdadeiro.

O que nunca faltou foi falar de corrupção com empreiteir­as. O acerto da Norte-Sul, o cartel no Metrô de São Paulo, as revelações de Cecílio do Rego Almeida —a lista é longa.

Só não é maior porque existe um elemento que talvez escape à lógica de Emílio. Chama-se lei. Um jornalista não pode publicar qualquer história que escuta. É preciso haver elementos a sustentá-la. Apenas uma operação como a Lava Jato, com instrument­os como a delação premiada, afiada em 2013, poderia levantar tamanha tampa de esgoto.

Os vídeos dão a sensação de que a ficha do empreiteir­o não caiu. O tom calmo de sua fala levou o procurador Sérgio Bruno Cabral Fernandes a um momento professora­l: “Eu vou depois mostrar para o senhor o Código Penal. Só pra gente se situar.”

Antes quem ensinava era Emílio. Em 2002, escreveu: “Na política, é preciso acabar com a demagogia, o oportunism­o, o clientelis­mo e a corrupção.” Ora pois, eis que em 2017 estamos todos aprendendo algo. roberto.dias@grupofolha.com.br

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