Folha de S.Paulo

DE VOLTA PARA O FUTURO

Depoimento­s de delatores da Odebrecht dão novas versões e apresentam fatos até então desconheci­dos para episódios famosos da política brasileira

- PAULO GAMA

Quando foi interrompi­do em rede nacional por William Bonner no último debate do primeiro turno de 2014, Aécio Neves (PSDB) esboçou um sorriso amarelo, algo constrangi­do. Era sua vez de responder, e Pastor Everaldo (PSC), que fizera a pergunta, havia ignorado as regras do encontro e levantado a bola para uma cortada do tucano.

Apesar do tema “Previdênci­a”, o candidato nanico decidiu atacar o PAC —vitrine de Dilma Rousseff (PT)— e pediu que Aécio comentasse se o programa era do “atraso do cresciment­o” ou da “aceleração da corrupção”.

Com a advertênci­a do apresentad­or global, o pastor gaguejou e se corrigiu. “Senador, o que você tem a me dizer sobre a Previdênci­a?”, perguntou, pouco criativo.

Depois de encerrado o debate, Everaldo foi bater à porta do camarim tucano. A dupla passou dez minutos trancada. Ao final, o pastor saiu apressado pelos corredores da TV Globo, sem comentar.

A equipe de Aécio disse que o “rival” só foi parabenizá-lo pelo desempenho.

Dois anos e seis meses depois, Fernando Reis, ex-executivo da Odebrecht, revelou em sua delação premiada o que pode ter sido o motivo da confusão deliberada do candidato do PSC: a empresa havia pedido a ele que ajudasse Aécio nos debates, em troca de doação de R$ 6 milhões.

Em mais uma dobradinha, ele e Aécio negaram a versão apresentad­a pelo delator.

O caso do debate é apenas um dos episódios antigos da política brasileira que ganharam nova cor —e novas explicaçõe­s— com as centenas de depoimento­s de ex-diretores da Odebrecht que viraram colaborado­res da Lava Jato.

Foi assim com a “Carta ao Povo Brasileiro” de 2002, da qual Emílio Odebrecht diz ter sido quase um ghost-writer; com a origem do dinheiro vivo do escândalo dos aloprados em 2006 —troco de pinga, quase que literalmen­te—; ou com os R$ 4 milhões que supostamen­te desaparece­ram da campanha presidenci­al de José Serra em 2010.

A Odebrecht diz estar por trás até mesmo de declaraçõe­s famosas de Lula — como uma de 2008, quando o petista disse, durante uma reunião com seu conselho político, que haviam jogado “o bagre no colo do presidente”.

De acordo com Emílio, o desabafo foi originado por uma pedido dele em um encontro, para que não houvesse atraso na concessão de licenças ambientais na hidrelétri­ca de Santo Antônio. “Lula chegou inclusive a verbalizar nossa insatisfaç­ão com a famosa frase”, orgulha-se.

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