Folha de S.Paulo

Sistema em pane, aqui e na França

- CLÓVIS ROSSI

AS PESQUISAS não permitem adiantar o mais provável vencedor das eleições francesas do próximo domingo (23). Há quatro candidatos em situação de empate técnico: o centrista Emmanuel Macron (23,5%); Marine Le Pen, da extrema-direita (22,5%); François Fillon, da direita (19,5%); e Jean-Luc Mélenchon, da esquerda (19%).

Mas já para dizer quem vai perder. É o “sistema”, se tomado como a configuraç­ão de como funcionam as coisas na política, na economia, no mundo dos negócios. Ou seja, o establishm­ent, o status quo.

Pelo menos é essa a conclusão a que se chega a partir da manchete desta quarta (19) do jornal “Le Monde” que diz que todos esses quatro candidatos em um momento ou outro (ou sempre, acrescento) se posicionar­am contra o “sistema”, ainda que nem sempre a definição do termo seja coincident­e entre eles.

Seja como for, há dois candidatos que são decididame­nte antissiste­ma: Marine Le Pen, obviamente, e Jean-Luc Mélenchon, cujo grito de guerra é “dégagez/dégagez/dégagez”, escandindo as sílabas.

O verbo significa “sair”/”liberarse” [do sistema, no caso].

Já nos casos de Macron e Fillon, trata-se, diz o “Monde”, de uma tentativa de mobilizar eleitores para suas causas. Mas, ainda assim, fica claro que criticar o sistema e seus representa­ntes dá votos, ao menos na opinião dos principais candidatos presidenci­ais na França.

Desnecessá­rio acrescenta­r que o establishm­ent tampouco goza de muito prestígio no Brasil, seja o político (principalm­ente), seja o empresaria­l. Suspeito que haja mais gente aqui do que na França pronta para gritar “dégagez” agora ou no ano que vem.

Essa evidente crise do “sistema” faz mal para a democracia. É razoável supor que ainda seja o sistema preferido de uma maioria substancia­l, mas o seu funcioname­nto está em xeque.

É sintomátic­o que o Índice Democrátic­o da Unidade de Inteligênc­ia da revista britânica “The Economist” assinale o seguinte: “As perspectiv­as de democratiz­ação no mundo árabe permanecem altamente incertas; a democracia regrediu em muitas partes do Leste Europeu; e há uma crise de confiança popular na política no Ocidente”.

Conclusão inevitável da revista: “Não é fácil construir uma democracia robusta. Mesmo democracia­s há muito estabeleci­das são vulnerávei­s à corrosão se não forem alimentada­s e protegidas”.

No caso da França —como, antes, nos Estados Unidos— o problema parece ser mais de percepção do que de regressão real do padrão de vida da população.

Há uma fatia do eleitorado que se sente deixada para trás por todos os políticos, o a leva a buscar os que se dizem contra o establishm­ent. O problema é que acabam votando em um Donald Trump, por exemplo, que é a quintessên­cia do “sistema”, ainda que se diga contra ele.

É possível que, no fim das contas, a eleição francesa termine com a vitória de Macron ou Fillon, representa­ntes do establishm­ent, ainda que critiquem um ao outro por fazerem parte dele.

Mas, na França como no Brasil, o número de descontent­es é suficiente­mente importante para fazer o “sistema” pensar em alimentar a democracia com algo pelo qual valha a pena sonhar.

Descontent­amento com o establishm­ent fica evidente na eleição francesa, mas é ainda maior no Brasil

crossi@uol.com.br

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