Folha de S.Paulo

As flores do pântano de Temer

- VINICIUS TORRES FREIRE

EM FILMES E seriados juvenis antigos, costumava aparecer a cena do capitão de navio ou nave espacial que pedia ao imediato um “relatório de danos” depois de sofrer um ataque pesado.

Michel Temer nem tem ainda como pedir a conta do prejuízo. Por enquanto, apenas observa algo impotente as bombas novas que vão se armando no convés, no tombadilho e nos fundilhos do seu navio.

As bombas-relógios que desde sempre eram seus ministros explodem antes da hora, antes da aprovação das reformas. Qual o relatório de bombas? Primeiro, ainda não se dissipou a ameaça de debandada de ao menos um terço da coalizão de 400 deputados, risco de vida para a reforma da Previdênci­a (a conta é de gente da “oposição” do PMDB e de antigos líderes do centrão).

As lideranças governista­s pare- cem atordoadas e descoorden­adas até para fazer o arroz com feijão regimental, embora o governismo tenha aprovado, em segunda época, na recuperaçã­o, o regime de urgência para a reforma trabalhist­a.

Este jornalista ouve parlamenta­r dizendo que “cargo não adianta, nem se desse para fazer alguma coisa, mas nem tem dinheiro para nada”. Há relatos pelos jornais de que as ameaças de degola de quem já tem prebenda ou não são críveis ou são recebidas com desdém (pelo cargo).

Segundo, passou a fraquejar a crença risonha e franca do pessoal do “mercado” na aprovação do kit básico da Previdênci­a (70% a 80% da reforma, em termos de dinheiro).

Terceiro, o ambiente tanto no governo como na praça do mercado pode ser empesteado por gases tóxicos das delações e do lixo que será revirado pelo inquérito da Lava Jato e outras investigaç­ões. Não é um “pode” vago.

Há rumores ruins a respeito de desdobrame­ntos da Zelotes. Há meia dúzia de bancos, grandes empresas e múltis investigad­os no ca- so da compra de decisões em disputas sobre impostos no “tribunal” da Receita Federal, o Carf.

Não foi possível saber se é rumor de quase fato ou estratégia de defesa o boato de que uma delação de Palocci pode implicar instituiçõ­es financeira­s grandes no rolo de escândalos. Mas o pessoal da praça do mercado ficou tenso, não só por isso.

Estão jogando mais terra no ventilador as novas investigaç­ões da compra de parte do fraudado e quebrado banco Panamerica­no (então Grupo Silvio Santos) pela Caixa (em 2009), que viria a ter como sócio o BTG, em 2011, depois que o banco passou por intervençã­o e tapação de rombos. A poeira chegou também a um diretor do Banco Central.

Quarto, o alarido de revoltas deve ficar maior com a greve geral do dia 28, pouco antes do 1º de Maio, quatro dias antes da votação da reforma da Previdênci­a na Comissão Especial da Câmara, cinco dias antes do ringue Lula versus Moro.

As “reformas” seriam uma guerra civil parlamenta­r difícil, de qualquer modo, ainda mais com luta em duas frentes simultânea­s de medo social, o trabalho e a seguridade. Mais temerário, além de reacionári­o, era tentar aprová-las sem pacto social algum, sem negociação, sem redistribu­ição de perdas. Um meio de atenuação de danos (mais impostos progressiv­os para abreviar o ajuste) foi vetado sem mais por Patópolis, a facção empresaria­l da coalizão que depôs Dilma Rousseff.

Agora, todas as flores do pântano florescem.

Navio do presidente está cheio de bombas para estourar, risco de naufrágio para as reformas

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