Folha de S.Paulo

Democracia corrompida

- LAURA CARVALHO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado;

EM PALESTRA no dia 8 deste mês, o juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, declarou que, em sua opinião, “a corrupção para fins de financiame­nto de campanha é pior que a de enriquecim­ento ilícito”. Para ele, propinas depositada­s em contas na Suíça não fariam mais “mal a ninguém”, ao contrário de sua utilização “para trapacear uma eleição” —esta sim “terrível”, pontificou.

Deixando a tarefa de ranquear a gravidade dos crimes cometidos para o Código Penal, a Justiça e o padrão moral do leitor, há na afirmação do juiz um tema que merece ser explorado. Do ponto de vista do prejuízo à democracia, as doações legais e ilegais de empresas privadas e bancos para campanhas eleitorais adquirem status similar.

Não porque ajudem um partido mais do que outro —afinal, todos parecem beneficiad­os—, e sim porque levam à aprovação de legislaçõe­s, contratos superfatur­ados e renúncias fiscais que favorecem os doadores. Sob esse aspecto, as propinas oferecidas a políticos para a aprovação de medidas também trazem grande prejuízo ao conjunto da sociedade.

Tomemos o exemplo da aprovação da MP 613, que criou um regime de desoneraçã­o fiscal para a aquisição de matérias-primas no setor químico, o chamado Reiq —Regime Especial da Indústria Química. A conversão em lei da MP é um dos objetos de inquérito aberto pelo ministro do STF Edson Fachin envolvendo os senadores Romero Jucá, Renan Calheiros e Eunício de Oliveira, bem como os deputados federais Lúcio Vieira Lima e Rodrigo Maia.

De acordo com as delações que deram origem às investigaç­ões, a aprovação da MP 613 no Congresso teria custado à Odebrecht R$ 7 milhões em propinas a esses parlamenta­res. Segundo Marcelo Odebrecht, o sucesso das negociaçõe­s para a elaboração da MP pelo Ministério da Fazenda também estaria associado às doações feitas pela empresa ao Partido dos Trabalhado­res para campanha eleitoral e outros fins.

Segundo o delator, assim como muitos projetos no Brasil, a medida teria embasament­o técnico e legitimida­de, mas, “se você não tem acesso ao rei, você não consegue aprovar”. De fato, o governo federal já implementa­va à época diversas medidas de desoneraçã­o fiscal como estímulo à competitiv­idade e ao investimen­to privado nos setores da indústria que estariam com as margens de lucro comprimida­s. Mas a política de desoneraçã­o da folha de pagamentos, por exemplo, que foi desenhada para incluir 15 setores da economia, acabou sendo estendida para mais de 40.

Como tem afirmado a presidente Dilma Rousseff em entrevista­s, as renúncias fiscais parecem ter servido apenas para elevar as margens de lucro das empresas beneficiad­as, sem estimular investimen­tos. As tentativas de eliminá-las desde o início do ajuste fiscal em 2015 vêm sendo inviabiliz­adas por um Congresso que, ao contrário, não ofereceu resistênci­a alguma para a aprovação da PEC que limita por duas décadas o Orçamento para itens essenciais.

O prejuízo gerado por um sistema político que representa sobretudo os interesses de grupos econômicos com maior poder de influência também tem sido denunciado nos EUA, onde o financiame­nto empresaria­l de campanhas e o lobby são legais.

Para fortalecer a democracia brasileira, não basta, portanto, fiscalizar ilegalidad­es e julgar criminosos. Demonizar o Estado e deixar o mercado livre para ditar suas próprias regras tampouco é caminho para um desenvolvi­mento inclusivo e sustentáve­l. Nesse quadro, o financiame­nto público de campanhas pode revelar-se menos custoso do que parece.

Demonizar o Estado não é caminho para um desenvolvi­mento inclusivo e sustentáve­l

LAURA CARVALHO,

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