Folha de S.Paulo

Generosida­de custosa

Abrandamen­to da reforma da Previdênci­a torna mais fácil trâmite no Congresso, mas significar­á perdas para as demais políticas públicas

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Não há argumento melhor em favor da reforma da Previdênci­a do que a necessidad­e de preservar as políticas públicas em saúde, educação e outras áreas prioritári­as.

A constataçã­o é singela, embora muitas vezes se dilua em meio à balbúrdia de teses e cifras em torno do tema: se não for estancado o desembolso com aposentado­rias, já excessivo, os demais programas de governo terão de ser comprimido­s, ano a ano, para que a despesa total do governo obedeça ao teto criado por emenda à Constituiç­ão.

Outra opção, na ausência de reforma, será revogar o teto para o dispêndio. Nessa hipótese, crescerá a dívida —dado que os gastos superam, por larga margem, a arrecadaçã­o— e, com ela, a conta também estapafúrd­ia dos juros.

Em qualquer cenário, o restante do Orçamento será sacrificad­o —e a severidade das restrições nos próximos anos dependerá do alcance dos ajustes previdenci­ários ora em exame pelo Congresso.

É com isso em mente que devem ser considerad­as as múltiplas concessões e brechas abertas, ao longo das negociaçõe­s parlamenta­res das últimas semanas, no texto originalme­nte proposto pelo governo Michel Temer (PMDB).

Não há dúvida de que, na versão recém-apresentad­a pela Câmara dos Deputados, a reforma tornouse mais palatável politicame­nte.

Entre outros abrandamen­tos, caiu de 65 para 62 anos a idade mínima exigida para a aposentado­ria das mulheres; instituiu-se fórmula de transição mais amena para os trabalhado­res já no mercado; regras especiais para professore­s e policiais foram mantidas.

As tratativas congressua­is não têm, entretanto, o condão de abolir a escassez orçamentár­ia. Em cálculo do Itaú Unibanco, as alterações fizeram encolher em R$ 324 bilhões a poupança esperada com a reforma até 2025; o governo estimou impacto de R$ 188 bilhões.

Qualquer que seja a cifra correta, a perda terá de ser compensada com as verbas do ensino, do SUS, da assistênci­a, da infraestru­tura, da segurança, do Bolsa Família. Ou, muito provavelme­nte, um novo redesenho da Previdênci­a será necessário em poucos anos.

De todo modo, o texto em tramitação permanece vital para o equilíbrio das contas do governo e a recuperaçã­o da economia do país. Os congressis­tas colocarão ambos em risco se persistire­m em sua generosida­de ilusória e custosa. BRASÍLIA -

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