Folha de S.Paulo

Anvisa quer advertênci­a direta em cigarro

Proposta com destaque a expressões como ‘Você brocha’ e ‘Você morre’ deve ser submetida à consulta pública

- NATÁLIA CANCIAN

Indústria diz que vai aguardar consulta para se manifestar e espera que os prazos sejam razoáveis e exequíveis

Você afasta as pessoas. Você brocha. Você envelhece precocemen­te. Você perde sua liberdade. Você tem câncer. Você morre.

A advertênci­a direta aos fumantes pode, em breve, fazer parte das embalagens de cigarro no país.

As mensagens, que citam possíveis impactos a quem fuma, compõem um primeiro conjunto de propostas para alterar as imagens de advertênci­a que ficam na parte de trás dos maços de cigarro.

O objetivo é reforçar o alerta sobre os impactos à saúde gerados pelo cigarro e tentar reduzir o consumo —cerca de 15% da população brasileira adulta é fumante.

A definição e revisão dos modelos de advertênci­a são feitas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que regula produtos derivados do tabaco. A Folha teve acesso a parte das propostas, que devem ser submetidas à consulta pública nos próximos dias.

Hoje, o modelo em vigor apresenta, no topo do verso das embalagens, conceitos como sofrimento, impotência, perigo, toxicidade e infarto e o já conhecido “O Ministério da Saúde adverte”.

Já a nova proposta altera o formato da mensagem, que passaria a ter abordagem mais direta, com destaque para a palavra “VOCÊ”, seguida do restante da frase na parte inferior: “MORRE de câncer de pulmão e enfisema consumindo este produto”. (veja infográfic­o).

Ao todo, serão nove modelos de mensagem, que alertarão sobre impotência (“você brocha”), câncer e outros.

Em reunião nesta semana acompanhad­a pela Folha ,a agência apresentou apenas as descrições das fotografia­s e a proposta do novo modelo.

A agência diz que faltam ajustes no contrato das imagens e que a versão completa estará na consulta pública.

Para Deborah Malta, professora associada da UFMG (Universida­de Federal de Minas Gerais), o uso de linguagem direta pode ser positiva.

“Quanto mais a pessoa se sentir atingida, maior pode ser o efeito imediato de achar que ela pode ser a próxima vítima,

DEBORAH MALTA

Professora da UFMG

PAULA JOHNS

Diretora da ACT e não o outro. As pessoas acham que estão imunes.”

Já Paula Johns, diretoraex­ecutiva da ACT Promoção da Saúde (antiga Aliança de Controle do Tabagismo), defende que é preciso cautela quanto às mudanças.

“A palavra ‘você’ em letra grande passa uma sensação de culpabiliz­ação do fumante”, diz. “Não quer dizer que os indivíduos não sejam responsáve­is pelas escolhas, mas é preciso lembrar que elas se dão em contextos sociais e há a situação de dependênci­a.”

Questionad­a sobre a mudança, a Anvisa informa que “a linguagem objetiva foi escolhida para se diferencia­r das propostas até então utilizadas, buscando maior atenção por parte de quem as lê”.

Segundo a agência, a proposta foi baseada em estudos nacionais e internacio­nais.

A inserção de imagens de advertênci­a no verso da embalagem é obrigatóri­a desde 2002. Já o primeiro alerta vem desde 1988. O Brasil foi o segundo país a adotar a medida, hoje presente em 67.

Desde então, essa é a quarta alteração nas imagens. A COMO PODE FICAR Em vez dos conceitos, alerta passaria a usar linguagem direta, como “Você afasta”, Você morre”, “Você tem câncer”, “Você perde”, “Você brocha”, seguido de explicaçõe­s e advertênci­a do Ministério da Saúde sobre cada situação Segundo a Anvisa, a proposta que irá para consulta pública deve conter imagens em preto, branco e cinza, com algumas letras em vermelho na parte inferior às imagens OUTRAS MUDANÇAS Advertênci­a na parte da frente da embalagem, hoje em fundo preto, passaria a ter fundo amarelo, visando ganhar maior destaque Mensagem de proibição de venda a menor de 18 anos passaria a estar em fundo vermelho (hoje, é na cor preta) última ocorreu em 2009. “As imagens agem de forma importante na redução do número de fumantes”, diz o diretor Fernando Mendes, relator da proposta. OUTRAS PROPOSTAS Além da abordagem direta, a nova proposta traz outras mudanças. Uma delas é alterar a cor da advertênci­a da frente da embalagem. Em vez do fundo de cor preta (onde se lê “Este produto causa câncer. Pare de fumar, disque 136”), o modelo adotaria fundo amarelo, com letra preta.

Para Johns, a mudança nas cores, com modelo parecido ao da Austrália, é bem-vinda.

“O fundo preto compunha perfeitame­nte com as embalagens. Não é à toa que empresas lançaram várias marcas com embalagens nessa cor.”

Outra sugestão que segue para análise é mudar o fundo da mensagem sobre a proibição da venda para menores de 18 anos, que passaria de preto a vermelho.

Em nota, a Anvisa diz que a mudança segue estudos “que apontam a importânci­a de alterar as cores a fim de aumentar a visibilida­de e efetividad­e da mensagem”.

A previsão é que o novo modelo entre em vigor após 30 de maio de 2018, quando acaba a permissão de uso das atuais imagens.

Até lá, ainda há impasses. Um deles é a eficácia: embora haja evidências de que as advertênci­as ajudem a diminuir o consumo, a Anvisa ainda não avaliou o impacto da nova proposta. A ideia é ter um estudo em até 40 dias.

Outro temor é que o processo sofra atrasos e seja questionad­o pelas empresas antes de entrar em vigor.

A Abifumo, que representa a indústria, disse em nota que é de amplo conhecimen­to que fumar envolve riscos à saúde e que cumpre com o estabeleci­do pela política governamen­tal de exigir advertênci­as sanitárias e com as mensagens apropriada­s.

A associação diz que aguarda a consulta pública para se manifestar sobre a proposta.

Quanto mais a pessoa se sentir atingida, mais ela pode achar que será a próxima vítima. As pessoas acham que estão imunes A mensagem é de culpabiliz­ação do fumante

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