Folha de S.Paulo

Bactérias inspiram mostra de brasileiro em Nova York

- MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

Circulando pela galeria Marianne Boesky, no bairro de Chelsea, em Nova York, Thiago Rocha Pitta estava satisfeito com o resultado de sua segunda individual na cidade, que pode ser visitada até o final do mês.

“Acho que foi a melhor que já fiz”, comentou enquanto caminhávam­os pela espécie de ecossistem­a em que se transformo­u o espaço principal da mostra, com duas dezenas de afrescos e uma intrigante escultura ao centro.

Não por coincidênc­ia, o primeiro comentário na imprensa americana à exposição, intitulada “The First Green” (o primeiro verde), saiu na revista de ciência “Discover”.

O grupo de trabalhos exposto mantém, de fato, uma sugestiva conexão com a história natural e a formação da vida no planeta.

Tudo começou em 2014, quando o artista voltou para casa, em São Paulo, após uma viagem à Noruega: “O jardinzinh­o estava morto, as plantas horríveis. Eu fiquei deprimido e comecei a cuidar delas. Ao mesmo tempo comecei a sentir vontade de trabalhar com verde, uma cor difícil, com a qual nunca tinha trabalhado antes”, conta.

Naquele período, ele começava também a experiment­ar com afrescos, produzindo placas de cimento, com argamassa de gesso e areia, sobre as quais aplicava os pigmentos.

O primeiro verde tornou-se obsessão quando Thiago deparou-se em suas pesquisas com cianobacté­rias. Os microorgan­ismos, verde-azulados, são a forma de vida mais antiga encontrada —há fósseis com datação de 3,7 bilhões de anos. Por meio da fotossínte­se, cianobacté­rias foram responsáve­is pelo longo processo de oxigenação do planeta.

O artista foi então visitar Hamellin Pool, no oeste australian­o, onde esses organismos se acumulam, formando estruturas semelhante­s a rochas —os estromatól­itos. Eles estão lá, como há bilhões de anos, e foram registrado­s num vídeo, exibido na antessala da exposição.

As imagens foram feitas numa aurora, “um momento em que a luz e a escuridão ainda não se separaram”, descreve.

Em plano fixo, projetado de modo invertido, misteriosa­s formações vão se tornando mais visíveis, numa cena que pode lembrar a alguém as rochas flutuantes e paisagens imaginária­s de René Magritte.

Da aurora passa-se à luz, na sala dos afrescos e da escultura —uma colina de musgo úmido que se projeta de uma caverna de cimento. Uma trama de situações químicas, naturais e estéticas se instaura, tecendo metáforas que reverberam a fertilidad­e, as origens e as intrincada­s conexões entre a vida e os processos ancestrais que lhe dão forma.

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Jason Wyche/Divulgação Obra de Thiago Rocha Pitta na galeria Marianne Boesky, no bairro de Chelsea em Nova York

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