Folha de S.Paulo

O olho fatal

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RIO DE JANEIRO - “Justino o quê?”. É o que me perguntam quando cito Justino Martins entre os jornalista­s com quem mais aprendi. Explico: o gaúcho Justino foi diretor da revista “Manchete” durante 16 anos, de 1959 a 1975, e fez dela a melhor semanal brasileira de seu tempo —talvez de todos os tempos. Em resposta, vejo rostos em branco.

Perdeu-se no Brasil a memória do que seja uma revista semanal ilustrada, com suas reportagen­s em grandes páginas duplas, um escrete de fotógrafos sob contrato, acesso ao material das melhores agências internacio­nais e uma Redação de craques do jornalismo e da literatura produzindo textos caprichado­s. Os modelos lá de fora eram as americanas “Look” e “Life” e a francesa “Paris-Match”. Aqui, essa revista era “O Cruzeiro”. Quando “Manchete” surgiu, em 1952, não parecia capaz de assustar —era uma revista basicament­e de texto, bem escrita, mas muito feia.

Justino, que era seu correspond­ente em Paris e conhecia todo mundo na Europa —políticos, escritores, princesas no exílio, cineastas—, veio dirigi-la em 1959 e logo enterrou a concorrênc­ia. Não importava o assunto, qualquer matéria de “Manchete” era graficamen­te espetacula­r. Seu olho para selecionar fotografia­s era fatal. E era também um leitor atento dos textos que publicava —sei disso porque fui seu redator nos anos 70, e ele me chamava para discutir de vírgulas a ideias.

Levou para a revista seu estilo de vida: elegância, sol, mulheres bonitas, viagens, literatura (reservou quatro páginas para a morte de Ezra Pound, em 1972) e um charmoso verniz de esquerda. Os pesquisado­res de hoje ficariam surpresos se dessem à coleção de “Manchete” a importânci­a que dão à de “Veja” ou do “JB”.

Justino, que morreu em 1983, teria completado 100 anos no dia 13 último. Só foi lembrado pelos colegas e amigos. avsinger@usp.br

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