Folha de S.Paulo

Medidas Provisória­s viraram canal para defesa de interesses

Instrument­o é útil, mas foi desvirtuad­o, como tem mostrado a Lava Jato

- CARLOS MELO

FOLHA

Medidas Provisória­s (MPs) foram o instrument­o que os constituin­tes de 1988 encontrara­m para dar maior agilidade ao Poder Executivo. Dado o perfil parlamenta­rista do presidenci­alismo nacional, o governo, de fato, careceria de meios mais rápidos e eficazes diante de emergência­s de toda ordem, numa economia que se abriria para o mundo volátil e em transforma­ção.

Após a publicação, os efeitos das MPs são imediatos; observados restrições e critérios de relevância e urgência, torna-se instrument­o válido, útil e necessário. Faz sentido que existam.

As MPs seriam uma espécie de “revólver no coldre do policial”: está lá, mas, idealmente, não deve ser usado — ou utilizado apenas no limite. Projetos de lei se ajustam melhor ao debate político do Parlamento e à dinâmica democrátic­a da sociedade.

Contudo, como muita coisa na política do Brasil, o uso de cachimbos não apenas faz a boca torta, como dá opacidade ao ambiente, envolvendo-o rapidament­e na neblina de uma fumaça espessa.

Ao longo do tempo, tanto os governante­s abusaram do uso das MPs quanto os parlamenta­res aproveitar­am-se delas para estabelece­r um canal obtuso de defesa de interesses, nem sempre legítimos e transparen­tes.

Com a fragmentaç­ão e a dispersão partidária­s, os Executivos encontrara­m nas MPs o caminho mais rápido e menos custoso para desviarems­e, tanto quanto possível, da equação “é dando que se recebe” do presidenci­alismo de coalizão nacional.

Com maioria simples, aprova-se uma MP; plenários relativame­nte esvaziados facilitam a vida do governo, que valorizou esse instrument­o em detrimento dos demais. Critérios de relevância e urgência, paradoxalm­ente, assumiram certa irrelevânc­ia.

Também a elite parlamenta­r se favoreceu: o momento em que presidente­s da Câmara e do Senado definem como ideal para votação das MPs é crucial para o Executivo, e isto compreende uma negociação nem sempre diretament­e vinculada ao assunto da MP, entrando no processo interesses diversos e paralelos.

Tampouco foi apenas isso: percebeu-se que MPs poderiam carregar —e algumas passaram a carregar— “contraband­os”: artigos e disposiçõe­s de questões outras, de negociaçõe­s paralelas; “jabutis” colocados no telhado.

Oportunida­des para acossar, defender ou vender interesses: fazer clientelis­mo ou realizar achaques de e para empresas ou setores.

A Operação Zelotes colheu indícios nessa direção; a Lava Jato cita a “compra” de medidas por interesse de empreiteir­as como a Odebrecht, com pagamentos a parlamenta­res que as defendesse­m. A realidade revelou a existência de balcões de negócios.

Isso poderia levar à conclusão de que se deve descartar o uso de MPs. Errado.

O “revólver do policial” não deve ser abolido; contudo, o uso cachimbo precisa ser descartado: o ambiente requer limpeza e a boca torta, reparação. Um maior controle em torno dos critérios de relevância e urgência, como maior fiscalizaç­ão do que é, por fim, aprovado pelo Congresso se fazem necessário­s.

Ministério Público e controlado­rias críveis e independen­tes precisam agir. No mais, rever a fragmentaç­ão política e a promíscua relação entre Executivo e Legislativ­o.

CARLOS MELO

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Pedro Ladeira - 22.mar.17/Folhapress Plenário da Câmara dos Deputados durante votação
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