Resultado deste domingo refletirá mais o bolso do que o medo
O tiroteio de quinta-feira em Paris, com um policial morto em Champs-Élysées, dominou o debate para as eleições deste domingo (23).
O tema foi discutido pelos presidenciáveis no último dia de campanha para o primeiro turno, potencialmente favorecendo a candidata da extrema direita, Marine Le Pen, da Frente Nacional.
Ela tem 22% das intenções de voto, atrás do centrista Emmanuel Macron, com 24%. A pesquisa foi divulgada na sexta-feira (21) pelo instituto Ipsos e tem margem de erro de 1,8 ponto percentual em ambas as direções.
A segurança é uma das prioridades do eleitor francês, já preocupado com uma série de atentados, incluindo aquele que deixou 130 mortos em Paris e arredores em 2015. A França está em estado de emergência desde então.
Por outro lado, atentados precederam outras eleições francesas, como um pleito regional na sequência dos ataques de Paris, sem efeito aparente. O ataque a um soldado no Museu do Louvre, em fevereiro, tampouco impactou pesquisas de voto.
O assassinato na avenida Champs-Élysées, a mais emblemática de Paris, com um fuzil automático foi reivindi- cado pela organização terrorista Estado Islâmico e, apesar de não haver provas do envolvimento da facção, é investigado como terrorismo.
O governo francês disse que o atirador, morto no local, deixou uma nota defendendo a milícia radical. Karim Cheurfi, 39, havia passado dez anos detido por outros ataques contra policiais.
As autoridades voltaram a investigá-lo em fevereiro após informações de que planejava outra ação, mas concluíram que não havia provas que justificassem a prisão. Também não existiam à época sinais de radicalização.
Le Pen defendeu nesta sexta o reforço das fronteiras, em uma campanha marcada, nos últimos meses, por sua aversão a migrantes.
Ela acusou o islã radical de ser uma “ideologia totalitária bárbara e monstruosa” e pediu a expulsão imediata de estrangeiros identificados como potenciais ameaças.
Macron, por sua vez, acusou sua rival de utilizar o incidente para fins eleitorais.
O centrista disse que Le Pen mentiu ao afirmar que teria protegido o país se já fosse presidente. É impossível chegar, ao “risco zero”, afirmou. “Ela não será capaz de proteger nossos cidadãos.”
O presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou à agência de notícias Associated Press que a candidata, por ser a mais linha-dura, será beneficiada pelo tiroteio em Paris.
“Ela é a que têm a posição mais forte em relação às fronteiras e a mais forte para lidar com o que está acontecendo com a França”, disse.
O governo francês irá mobilizar 50 mil policiais e 7.000 soldados para a segurança da votação deste domingo.
FOLHA
A campanha das eleições presidenciais francesas tem tido de tudo: traições, reviravoltas, controvérsias, bizarrices, um empate técnico entre quatro candidatos, e agora um atentado terrorista às vésperas do primeiro turno.
Por razões óbvias, o assassinato de um policial reivindicado pelo Estado Islâmico na quinta (20) favorece diretamente a campanha de Marine Le Pen e suas chances de passar para o segundo turno. O discurso de ódio da extrema direita faz da violência do movimento radical islâmico alavanca político-eleitoral para sua plataforma.
Contudo, esse episódio pouco impactará o resultado. A campanha girou menos do que esperado em torno do terrorismo, tema no qual o Presidente François Hollande é bem avaliado. Foram, sobretudo, a estagnação econômica e o desemprego crônico, razões pelas quais Hollande decidiu não se candidatar, que dominaram os debates.
Até Emmanuel Macron, atual líder nas pesquisas, parece imune aos ataques da direita sobre a sua inexperiência na luta antiterrorista. Na semana passada, Jean-Yves le Drian popular ministro da Defesa de Hollande, participou de um comício de Macron. Um gesto de peso similar à entrada de Colin Powell, secretário de defesa de George W. Bush, na campanha de Barack Obama em 2008.
As últimas sondagens indicam que as tendências de voto estão enfim consolidadas. O grau de certeza do eleitor aumentou sensivelmente. Vale lembrar que a ausência de uma base eleitoral sólida era o principal tendão de Aquiles de Emmanuel Macron, recém chegado à política francesa que se apresenta como o candidato de uma terceira via, social-liberal, pósideológica e pós-partidária.
As sondagens também indicam que as chances de Le Pen vencer no segundo turno são, por ora, nulas em qualquer cenário. No mais, há chances de ela ser a maior perdedora deste domingo: Jean-Luc Mélenchon, candidato de esquerda em ascensão, é competitivo entre os 25% de jovens desempregados, eleitorado-alvo de Le Pen.
Mais importante ainda, os recentes comentários de Marine Le Pen sobre a tragédia do velódromo de Vel d’Hiv de 1942, quando 7.000 agentes e policiais franceses deportaram mais de 8.000 pessoas a pedido da autoridade nazista, foram um lembrete ao eleitor. Apesar das manobras para tentar apresentar-se como uma candidata nacionalista, Le Pen não passa de uma representante da França colaboracionista e antissemita da Segunda Guerra Mundial.
Para a desilusão dos que insistem em colocar fenômenos tão distintos como a saída do Reino Unido da União Europeia, a eleição de Donald Trump nos EUA e a subida de movimentos de extrema direita na Europa no mesmo balaio, o fracasso de Le Pen — senão agora, no segundo turno— daria mostra que, afinal, é a história nacional, mais que a globalização, que faz ou desfaz candidatos. MATHIAS DE ALENCASTRO