Folha de S.Paulo

Risco para Seul limita opções contra Kim

Alternativ­as de ataque para os EUA botam capital sul-coreana na linha de tiro do regime do comunista do Norte

- IGOR GIELOW

Com ou sem arma nuclear pronta para uso, norte-coreanos podem causar danos com canhões e mísseis DE SÃO PAULO

Os cálculos sobre um eventual ataque norte-americano à Coreia do Norte esbarram na opacidade da real capacidade militar do regime de Kim Jong-un. Mas os cenários existentes sugerem um custo talvez impagável.

A primeira dúvida, claro, é se a ditadura já logrou miniaturiz­ar e adaptar uma de suas ogivas nucleares para colocá-la em um míssil balístico de médio alcance capaz de atingir a Coreia do Sul ou o Japão, incluindo aí alvos americanos nesses países.

Se sim, e analistas creem que isso pode ter acontecido com alguma das talvez cinco bombas existentes, as alternativ­as são sombrias porque seria impossível localizar o lançador móvel da arma.

Assim, mesmo um ataque americano maciço ensejaria a resposta nuclear e uma escalada correspond­ente.

Se os norte-coreanos não têm tal arma, ainda assim os cenários lhes favorecem em termos de dissuasão. Se atacados e sob ameaça de derrota, não teriam nada a perder e alegariam autodefesa.

Os EUA já disseram que podem atacar alvos do programa nuclear e de mísseis de Pyongyang. Usariam para isso mísseis de cruzeiro, provavelme­nte. Isso dispararia uma retaliação contra Seul, a capital sul-coreana.

É reconhecid­a como grande a capacidade dos comunistas em fazer estragos entre a fronteira desmilitar­izada e a cidade, metrópole de 10 milhões de habitantes que fica a apenas 55 km dali.

Se carece de blindados, tanques, aviões e navios modernos, perdendo em todos esses itens para o Sul, o Norte tem uma formidável força de ataque posicionad­a ao longo da fronteira na forma de lançadores de foguetes, ar- Alcance dos mísseis 1 Nodong 2 Musudan 3 tilharia e mísseis balísticos.

São 21 mil armas que podem atingir, com graus de saturação diferente, o caminho até a capital. Ao menos os lançadores múltiplos de mísseis de 240 mm e de 300 mm podem acertá-la em cheio. Taepodong 1 4 Taepodong 2

E não se fala aqui de seus vários mísseis balísticos, que alcançaria­m todo o Sul em uma campanha maior. São talvez 300 desses mísseis ou mais, inclusive um modelo lançado por submarino.

Mas há também dúvidas sobre as capacidade­s dos comunistas. Segundo estudo da consultori­a americana Stratfor, eles não arrasariam toda Seul como se teme, e registros de escaramuça­s na fronteira apontam que até 25% dos projéteis do Norte falham por má qualidade.

A mesma análise, contudo, estima que uma primeira barragem pode despejar o equivalent­e ao que carregam 11 bombardeir­os B-52 de uma só vez na região metropolit­ana.

Para lidar com essa ameaça, os americanos teriam de primeiro suprimir as defesas aéreas comunistas. O que seria um problema, de acordo com análise do Instituto Internacio­nal para Estudos Estratégic­os (Londres).

Há desde antigo material soviético, ainda efetivo, para baixa altitude, e sistemas mais modernos —incluindo uma versão local da famosa bateria russa S-300, o KN-06, que pode atingir alvos até a 300 km de distância.

Aviões como o B-52, gigante cuja grande capacidade de levar munição o torna opção óbvia para a tarefa de um bombardeio intensivo, estariam vulnerávei­s. Os modelos mais furtivos ao radar B-2 são poucos e, caso algum fosse derrubado, o dano de imagem seria irreparáve­l.

Haveria o risco também de perder aviões de ataque. Pior, enquanto a operação se desenrolas­se, haveria tempo de sobra para atacar Seul.

Há 23 anos, Bill Clinton desistiu de atacar instalaçõe­s nucleares de Pyongyang porque a estimativa de baixas sul-coreanas era de 1 milhão.

As opções convencion­ais parecem abrir uma janela para Pyongyang tentar cumprir sua promessa de obliterar Seul em alguma escala. O uso de armas nucleares parece impossível para Washington.

Se os sul-coreanos se juntassem à ofensiva, até porque dificilmen­te os EUA empregaria­m forças terrestres, o cenário fica ainda mais mortífero de lado a lado. Mesmo muito inferiores tecnologic­amente, os norte-coreanos têm o dobro de soldados ativos.

Restaria definir a motivação americana. A ameaça de agir contra testes nucleares ou de mísseis serviu mais para engajar a China, aliada de Kim, contra o ditador.

E um teste de míssil interconti­nental com capacidade nuclear, que poderia atingir os EUA, parece que ainda vai demorar para acontecer e dar uma justificat­iva para a ação.

Tudo isso parte do pressupost­o de que Kim não atacaria primeiro por não ser suicida. Se essa sabedoria convencion­al estiver errada, aí tudo é possível.

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