Folha de S.Paulo

QUANTO É O SUFICIENTE?

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“Quanto é o suficiente?”, perguntam no título de seu livro o economista político britânico Robert Skidelsky e seu filho, o filósofo Edward.

A questão nasce do ensaio “Possibilid­ades econômicas para nossos netos”, publicado em 1930 por John Maynard Keynes, um dos economista­s mais influentes do século 20.

Keynes imaginou que, com o avanço da tecnologia, as pessoas precisaria­m trabalhar menos para satisfazer suas necessidad­es até o ponto em que poderiam se dedicar apenas a “viver bem, de maneira sábia e agradável”.

Na utopia keynesiana, isso aconteceri­a em 2030.

A profecia, como se sabe, fracassou. O número de horas trabalhada­s nos países ricos cresceu, e o consumo explosivo de bens supérfluos —ou o desejo por eles— enterrou a ideia de que exista um patamar em que o homem se contente com o “suficiente”.

O capitalism­o como é praticado hoje, defendem os autores, predispõe ao consumo insaciável e induz todos a trabalhar mais do que precisam para comprar aquilo de que não precisam (e ostentá-lo).

Deixada de lado pelo próprio Keynes (de quem Robert é um dos principais biógrafos), a reflexão é retomada agora em tom de manifesto: os países ricos precisam trocar o cresciment­o a qualquer custo e o amor pela riqueza por um projeto que liberte o homem do trabalho estafante e produza justiça social.

Os Skidelsky comparam o estado atual do capitalism­o ao castigo do personagem Fausto. Em pacto com o demônio, a sociedade usou meios “maus” para obter poder, conhecimen­to, prazer e abundância. Mas, presa nas correntes do sistema, não consegue usufruí-los.

Em retrospect­iva histórica, apresentam utopias e distopias de economista­s e filósofos desde Platão, na Grécia Antiga, passando por Nicolau Maquiavel, Thomas More, Bernard Mandeville, Adam Smith e John Stuart Mill, até “o fracasso do apocalipls­e de Karl Marx” e a liberação erótica de Herbert Marcuse.

“As épocas e os mecanismos variam, mas todos concordam que, mais cedo ou mais tarde, de uma maneira ou de outra, a felicidade chegará. Para que, então, tanto trabalho, tanta miséria e deformação do sentimento?”

Antes de oferecer seu próprio mapa para o pós-capitalism­o (uma época em que acumulação de capital deixe de ser um fim em si mesmo), os Skidelsky enumeram os conceitos do que é uma vida boa em diferentes culturas.

É aqui que chegam ao ponto mais sensível da obra: a crítica ao liberalism­o. Até a década de 1960, o liberalism­o era uma doutrina de tolerância, e não de neutralida­de, demarcam. A diferença é fundamenta­l: “O Estado tolerante não enfrenta o dilema do Estado neutro ao lidar com necrófilos ou neonazista­s”.

O tema do livro é econômico, mas uma economia vista como “a teologia da nossa época”, que sobrepujou a filosofia (“recolhida em ninharias linguístic­as”), a sociologia (“incapaz de desenvolve­r um corpo teórico sistemátic­o”) e a história (“submissa aos encantos do poder”).

Os autores, contudo, deixam claro que não defendem a economia da felicidade —que a trata como um recurso escasso semelhante a outros e procura maximizá-la.

Levada ao extremo, ela produziria apenas a idiotia feliz. Seria algo como o enredo do livro “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, em que todos se entregam a uma droga sintética legalizada e viciante cujo efeito é produzir felicidade e prazer.

“Um sistema desses poderia perfeitame­nte existir como resultado das livres escolhas individuai­s, sem que ninguém precise apontar uma arma para ninguém.”

Já a proposta de vida boa dos autores, detalhada no capítulo 6, não prescinde de um Estado que imponha restrições, escolha estímulos e leve a cabo uma ideologia alternativ­a ao hoje triunfante individual­ismo de mercado.

“Descrevemo­s nossa posição como paternalis­mo não coercitivo. Acreditamo­s que os poderes do Estado talvez sirvam para garantir os bens básicos, mas só até onde não danificam a personalid­ade, que é um bem central.”

Ações concretas não são propósito central dos Skidelsky, mas eles citam algumas: renda básica, tributação do consumo, imposto sobre fortunas e heranças, taxação de derivativo­s (instrument­os financeiro­s de risco) e restrições à publicidad­e.

A argumentaç­ão dos autores é moral, quase religiosa, condição que eles assumem abertament­e nas consideraç­ões finais: “Poderia uma sociedade totalmente desprovida de impulso religioso estimular a si mesma a buscar o bem comum? Nós duvidamos”. AUTORES Robert e Edward Skidelsky EDITORA Civilizaçã­o Brasileira QUANTO R$ 65 (307 págs.) AVALIAÇÃO muito bom REDE SOCIAL Becoming Facebook AUTOR Mike Hoefflinge­r EDITORA Amacom QUANTO R$ 59,60 (livro digital; 256 págs.)

Executivo que trabalhou no Facebook por sete anos escreve sobre a ascensão da empresa e desafios que enfrentou, como uma abertura de capital frustrante e ofensiva de rivais. TECNOLOGIA The Driver in the Driverless Car AUTORES Vivek Wadhwa e Alex Salkever EDITORA Berrett-Koehler QUANTO R$ 56,10 (livro digital; 240 págs.)

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1936/Reprodução O economista John Maynard Keynes (1883-1946) e sua mulher, a russa Lydia Lopokova

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