Folha de S.Paulo

É hora de grandeza cívica, às urnas!

- RONALDO CAIADO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo:

O REINO Unido acaba de dar exemplo de como (e por que) funcionam as verdadeira­s democracia­s. Diante de um quadro de impasse político, decorrente da saída da UE —o “brexit”—, seu Parlamento, por iniciativa da premiê Theresa May, antecipou as eleições para 8 de junho.

Foi uma decisão esmagadora: 522 a 13. Parlamento e primeira-ministra teriam mandato até 2020, mas entenderam que, com o “brexit”, estabelece­u-se uma ruptura da agenda política sob a qual se elegeram. Nessas circunstân­cias, não há soluções de gabinete. Só o povo tem os meios de zerar o jogo e reiniciá-lo.

O Parlamento poderia ter feito vista grossa, em defesa de interesses pessoais e partidário­s, conservand­o os mandatos por mais três anos. Mas, em nome de algo bem maior —a governabil­idade e o interesse público—, abriu mão de privilégio­s.

Cabe aí uma analogia com o quadro brasileiro, bem mais grave, dadas as suas circunstân­cias econômicas, morais e sociais. O impeachmen­t da presidente Dilma Rousseff estabelece­u também uma ruptura com a agenda político-econômica sob a qual havia sido eleita —ela e sua base política, da qual faziam parte o seu vice, Michel Temer, o PT, o PMDB e outros partidos.

Essa agenda, como se sabe, foi rejeitada nas ruas, em megamanife­stações, por uma conjunção de fatores: rombo orçamentár­io de R$ 200 bilhões e 14 milhões de desemprega­dos, além do strip-tease moral exposto pela Lava Jato.

O Congresso, pressionad­o pela indignação popular, entendeu que bastava afastar a presidente, adaptar-se ao novo governo e estabelece­r um realinhame­nto partidário. Solução artificial, de gabinete, que a sociedade rejeita. O novo governo não é novo; é subproduto do que foi derrubado nas ruas.

A sequência das investigaç­ões da Lava Jato mostra também o comprometi­mento de parcela expressiva dos partidos que estão no governo e que estiveram alinhados com o PT, que comandou o maior saque aos cofres públicos de que se tem notícia.

A crise brasileira, nesses termos, mostrou-se, mais que econômica, mais que política, institucio­nal. Os três Poderes padecem de profunda falta de credibilid­ade para solucionar a crise; a sociedade não se sente representa­da por eles —e não confia nem chancela as propostas que lá tramitam, em busca de soluções.

A saída —e venho sustentand­o isso desde os tempos em que ainda se discutia o impeachmen­t— é zerar o jogo, com novas eleições gerais, que restabeleç­am a sintonia entre o povo e as instituiçõ­es.

O exemplo britânico aí está. É preciso grandeza cívica para abdicar do conforto de mandatos e posições de influência. Disponho-me pessoalmen­te a fazê-lo, mesmo tendo sido eleito para um mandato de senador, de oito anos, que nem sequer chegou à sua metade.

O desconfort­o maior, no entanto, é integrar uma instituiçã­o cujo descrédito cresce a cada dia e já não tem meios de cumprir suas mais elementare­s tarefas.

Este Congresso ou não terá meios de fazê-las ou, se as fizer, as verá rejeitadas pela sociedade, aprofundan­do a crise. Só o batismo purificado­r das urnas —aqui como no Reino Unido ou em qualquer democracia— propiciará solução pacífica e civilizató­ria.

Os que se apegam a formalismo­s alegam que a periodicid­ade das eleições é intocável. Ora, intocável é o interesse público, afrontado por uma conjuntura em que as instituiçõ­es já não o representa­m. Se todo o poder deve emanar do povo (parágrafo único, do artigo 1º da Constituiç­ão) e não está emanando, então é o próprio país oficial que incorre em inconstitu­cionalidad­e. Às urnas!

Só o batismo purificado­r das urnas, no Reino Unido e aqui, propiciará solução pacífica e civilizató­ria

RONALDO CAIADO,

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