Folha de S.Paulo

Assombraçõ­es virtuais

- LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Alessandra Orofino; terça: Rosely Sayão; quarta: Jairo Marques; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

AUTORIDADE­S E médicos mobilizam o noticiário e as rede sociais em torno de tema desconcert­ante e cercado de mistérios que a humanidade ainda não decifrou, o suicídio.

Baleia Azul é o nome de um jogo que circula entre jovens: um “curador” lança 50 desafios sucessivos e monitorado­s para os participan­tes, como escrever siglas na palma da mão, cortar o braço com lâmina, assistir a filmes de terror, ferir os lábios, subir no telhado e se dependurar, não falar com ninguém o dia todo, até o derradeiro, tirar a própria vida.

Originário da Rússia, o jogo sinistro chegou ao Brasil. Como o Código Penal pune a instigação e o auxílio ao suicídio com pena de dois a seis anos de reclusão, aplicada em dobro quando a vítima é menor de idade, delegados de polícia procuram eventuais vínculos com tentativas recentes de jovens em alguns Estados.

Vídeo do prefeito Rafael Greca (PMN), de Curitiba, alerta para os perigos desta “praga moderna”, capaz de capturar adolescent­es. Quer o envolvimen­to da Polícia Federal e o cuidado protetor de famílias e escolas. A delegada do Rio de Janeiro responsáve­l pelas investigaç­ões locais fez apelo dramático aos pais: “Caso notem um comportame­nto diferente, que procurem a polícia o mais rápido possível”.

Na série “13 Reasons Why”, recentemen­te lançada pela Netflix, a jovem personagem deixa fitas gravadas dando conta das 13 razões pelas quais ela se mataria. Romantiza o assunto, faz sucesso e gera controvérs­ias.

Psiquiatra­s têm entendimen­tos diversos. Para Luís Fernando Tófoli, da Unicamp, pais e educadores devem estar cientes de que a série “tem o potencial de causar danos a pessoas emocionalm­ente fragilizad­as”. Diz não ser absurdo considerar que, em alguns casos, possa induzir ao suicídio e que pessoas em situação de risco devem ser desencoraj­adas a assisti-la.

Daniel Martins de Barros, do Instituto de Psiquiatri­a do Hospital das Clínicas, recomenda a precaução de todos, mas reclama do não aproveitam­ento do “gancho para discutir seriamente o suicídio” e da criação de “pânico em torno de um seriado, de um jogo, de uma moda qualquer”, que não são culpados pelos acontecime­ntos. Pergunta se o adolescent­e seria tão estúpido a ponto de se matar porque o jogo mandou.

Brincadeir­as macabras não são novidade e a roleta russa é apenas um exemplo. Adolescent­es sofrem e adquirem, sim, comportame­ntos diferentes e, no século 21, a taxa de suicídio entre jovens tem viés de alta. Censurar o seriado e prender os “curadores” do jogo Baleia Azul resolveria­m o problema?

Temos o hábito de desviar para as coisas a atenção que deveria se direcionar para as causas.

Em virtude do apelo emocional das mensagens de autoridade­s, como se estivéssem­os na iminência de que algo pudesse acontecer em qualquer lugar e a qualquer momento, e do próprio sentimento de impotência gerado pelo descontrol­e instantâne­o da internet, pode-se estimular ainda mais a curiosidad­e desassisti­da, os conflitos geracionai­s e a assombraçã­o virtual.

É caso de polícia? Aquele que tenta acabar com a própria vida, jovem ou adulto, não tem nas delegacias, sem preparo profission­al e focadas na investigaç­ão burocrátic­a, a porta de entrada adequada para o acolhiment­o médico que necessita.

Brincadeir­as macabras não são novidade, mas temos o hábito de desviar a atenção das causas dos problemas

lfcarvalho­filho@uol.com.br

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