Folha de S.Paulo

Com sofá, tapete, planta e cama, morador de rua monta ‘casa’ sob o Minhocão, em SP

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DE SÃO PAULO

Em uma das colunas grafitadas do Minhocão, dois quadros compõem, ao lado de uma lousa onde se lê “Deus é Fiel”, uma espécie de sala de estar. O morador de rua Wlademir Delvechio, 33, gosta “das coisas arrumadas”.

Tem mesinha com planta, tapete no chão. “Isso fortalece, é bom ter tudo limpo quando chego pra dormir”, diz ele, mesmo sem se iludir.

“Sei bem que isso não é minha casa, casa, não é nada fácil acordar na rua. Você fica com medo até de você”.

Há três meses, Delvechio alojou-se sob o Elevado Presidente João Goulart, perto do metrô Marechal Deodoro.

Um sofá fica de frente a dois armários, onde estão organizado­s os objetos pessoais. Roupas, pasta de dente, espelho, e, entre outras coisas, um boneco rosa da Peppa Pig, sucesso entre as crianças. Uma cama com lençol colorido fecha o ambiente.

A maioria das coisas foi recolhida pelas ruas, no lixo. Os vizinhos também ajudam. “O cara da padaria me deu barbeador, até gel para a barba. Eu sempre me cuido”, diz, com gel nos cabelos.

No colchão na calçada, gosta de ler gibis. “Você olha pra sociedade e só vê maldade, aí vou pro gibi e a gente volta a ser criança.”

Essa morada atual simboliza uma luta pessoal de Delvechio contra o crack. Nascido em Osasco, o vício começou quando ainda era jovem, na cidade de Ilha Comprida (litoral sul paulista), onde cresceu com a família.

Já trabalhou como carpinteir­o, pedreiro e teve até um lava rápido, diz ele. Conta que recebeu uma pedra de crack de um traficante e aprendeu a fumar ao ver uma reportagem na TV sobre a droga.

Foi internado mais de uma vez e também chegou a ser preso por furto, aos 19.

Após chegar na capital para tentar um trabalho de pintor, há três anos, acabou na rua atrás da pedra. Vivia pela cracolândi­a até “fugir” para debaixo do Minhocão. SOLIDÃO

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