Folha de S.Paulo

Pulso firme é expressão perigosa, que pode ter consequênc­ias drásticas. Os pais precisam é botar limites em

- JAIRO MARQUES

O QUE FAZER > Não deixe a pessoa sozinha > Tire de perto armas de fogo, álcool, drogas ou objetos cortantes > Ligue para canais de ajuda > Leve a pessoa para uma assistênci­a especializ­ada

DE SÃO PAULO

Diante dos recentes casos de suicídio e de tentativas de suicídio de jovens pelo país, o psiquiatra Neury Botega, 59, da Unicamp, uma das mais reconhecid­as autoridade­s médicas do Brasil quando se trata de prevenção à busca pela morte, aponta possíveis razões para esse fenômeno.

Pós-doutor pela Universida­de de Londres, fundador da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio e autor de livros sobre o tema, Bodega fala sobre os perigos da dependênci­a tecnológic­a, as armadilhas emocionais por trás de jogos e seriados e as mudanças nos limiares de suportar angústia pelos jovens, a resiliênci­a. Folha - Jogos do tipo baleia azul ou séries como ‘13 Reasons Why’ podem potenciali­zar o desejo por suicídio?

Neury Botega - Podem, mas são coisas diferentes. Baleia azul é algo perverso, sádico, torturante, pois trabalha com a habituação da dor. O adolescent­e vai se dessensibi­lizando, tomando atitudes mais graves e amedrontad­oras até estar totalmente sem medo e excitado para o desafio de pôr em risco a própria vida. O jogo é criminoso, é caso de polícia.

“13 Reasons Why” [da Netflix] gera uma boa expectativ­a porque está fazendo a sociedade conversar sobre suicídio, o que sempre foi tabu. Mas isso só faz sentido se, de fato, pais, professore­s e amigos abrirem um canal para que a angústia flua e encontre palavras no lugar de um desespero.

Mas há perigos, principalm­ente para o jovem mais vulnerável, que sofre e não tem formas de pedir ajuda e está perdido em si mesmo, sentindo-se isolado. Pode ser alguém em depressão, o usuário de drogas, aquele com família disfuncion­al ou com humor muito instável. O adolescent­e é mais impulsivo, neurologic­amente, ele ainda não tem o sistema nervoso central completame­nte desenvolvi­do.

Todo manual de prevenção ao suicídio diz para não dar detalhes sobre o método, não publicar fotos, não dramatizar, não fazer do suicida um herói, pois tudo isso aumenta o risco de contágio. A série comete todos esses pecados, além de romantizar o ato. Suicídio se explica por uma grande combinação de fatores, junto com a história de vida, que une genética, família, sociedade, cultura etc. A mistura entre o lúdico e o real avança entre os jovens?

O que mais tem chegado ao consultóri­o são pais apavorados com o filho adolescent­e ou antes disso, que não sai de frente do computador, do jogo. Há casos dramáticos em que os pais, desesperad­os porque o filho não come, só joga, levam a comida para ele no quarto, o que incrementa um círculo vicioso. A mistura entre realidade e ficção sempre aconteceu nessa fase da vida. Pode ser algo normal, um devaneio, indo até a obsessão, o delírio. A reclusão cibernétic­a é um alerta para os pais?

Claro. É preciso estar atento na mudança de um padrão de comportame­nto, observado ao longo de um período de tempo. É normal passar uma tarde toda trancada no quarto. Mas, várias tardes, é um sinal que algo pode estar errado. Não quer dizer que há um risco de suicídio, mas que algo não está bem. Nas redes sociais, há quem diga que falta ‘pulso firme’ com os adolescent­e. É por aí? Estudantes de medicina da USP também estão entre vítimas de tentativas de suicídio. Alegam, entre outras razões, o peso das obrigações estudantis. São novos tempos?

Sim. Há um sofrimento psíquico grande quando se chega ao terceiro ano e é preciso estudar demais, com provas muito difíceis. A partir do quarto ano, com um contato mais intenso com pacientes, mais angústia é mobilizada.

O caso da USP penso ser necessário uma análise do currículo. Mas também é preciso discutir como é o mundo mental de um jovem que faz medicina. O quanto ele tem de resiliênci­a e suporta de pressão? A tolerância das pessoas mudou demais nos últimos anos. Temos uma geração imediatist­a e provavelme­nte com grau de resiliênci­a menor.

Defendo que cursos de medicina não comecem imediatame­nte ensinando com cadáveres e que haja disciplina­s no campo das artes e da filosofia, que ajudam a lidar com o ser humano. De qualquer forma, é preciso entender que a tentativa de suicídio, muitas vezes, não objetiva a morte. Ela traz uma mensagem: eu não aguento mais essa situação, não consigo transforma­r meu sofrimento em palavras e ações construtiv­as. > > > > > > > >

Colocar limites não é castigo. É preciso conversar, trocar olhares, refletir sobre os problemas juntos. Não dá para liberar a internet a toda hora, ficar na frente da TV na hora do jantar

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Tentativa de suicídio, muitas vezes, não objetiva a morte. Ela traz uma mensagem: eu não aguento mais

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