CRÍTICA Nacionalismo nunca saiu da moda, sugere coletânea de Mauss
‘A Nação’, que reúne ensaios escritos entre 1919 e 1920 pelo cientista social, ganha primeira edição no Brasil
FOLHA
Marine Le Pen avança na corrida eleitoral francesa. A Frente Nacional, seu partido, promete restaurar a nação, expulsando os intrusos da pátria. Está bem acompanhada. O nacionalismo recrudesce da Holanda aos EUA, da Turquia ao Brasil. Em 2014, título de artigo na “Economist” resumiu: “The nationalism is back”. A bem da verdade, nunca saiu de moda.
O tema obcecou sociólogos dos anos 1970 aos 1990, com galões de tinta despejados em explicações da formação dos Estados nacionais.
Para citar apenas dois exemplos: “Coerção, Capital e Estados Europeus 9901992”, de Charles Tilly, evidenciou a centralidade da guerra no processo, e “Comunidades Imaginadas”, de Benedict Anderson, mostrou que criar nações requisita produzir e difundir a crença em sua relevância, o nacionalismo.
O interesse no tópico é ainda mais velho. Exemplo conhecido é “O Que é a Nação?, ensaio de 1882 de Ernest Renan. Outro, mais sombreado, são os ensaios de 1919 e 1920 coligidos em “A Nação”, que sai agora pela Três Estrelas, selo do Grupo Folha.
A coletânea compõe a obra completa de Marcel Mauss (1872-1950) e traz competente apresentação de Marcel Fournier e Jean Terrier. A edição é póstuma, o que se denuncia em repetições e raciocínios truncados. O caráter inconcluso tem a ver com o contexto da redação, em meio a rescaldos da Primeira Guerra e rufares da Segunda.
Quem conhece o Mauss etnólogo, do clássico “Ensaio sobre a Dádiva”, vai reencontrá-lo na análise da circulação internacional. Os “empréstimos”, como os chama, avançam muito além das trocas econômicas. Operam em religião, artes, política, línguas (a “viagem dos provérbios”). E permeiam a discussão sobre cosmopolitismo e globalização, já em curso naquele tempo. Temas que temperam o livro ao gosto contemporâneo.
De outro lado, quem vê no autor o sobrinho e sucessor do fundador da sociologia, Émile Durkheim, tampouco fica no sereno. O foco na “morfologia” lá está: os laços sociais concre- tos —estradas, telégrafo, telefone, aviões— propiciam a coesão social das nações modernas. Esse plano, contudo, é menoscrucialqueaqueleessencialparaMausseseutio:odamoralidade.Anaçãosecimentaaí, num senso de pertencimento.
Já para quem imagina Mauss como intelectual de gabinete, o livro é uma surpresa. Nele salta a veia de polemista e a alma de utopista. Há críticas a Proudhon e Marx. A “nação” ganha derivada, a nacionalização, em balanço acerbo da experiência bolchevique. O autor é mais simpático com os sindicatos operários, que chama de “movimentos sociais”, sem definir o termo. Compensa, porém, ao traçar a origem de outra noção: “companheiros”, os operários a meio caminho entre mestres e aprendizes.
Escrevendo em tempo de nacionalismos à direita e à esquerda, Mauss trafega bem no segundo campo, crítico do socialismo de Estado e partidário do cooperativismo. Está, contudo, menos atento ao primeiro. Vê-se na oscilação ao definir o conceito-chave do livro, o de nação. Ora o termo ganha o sentido de cidadania, ora se associa aos de raça e caráter nacional. Essa faceta evidencia que mesmo um analista do quilate de Mauss não escapa de seu tempo. AUTOR Marcel Mauss TRADUÇÃO Dorothée de Bruchard EDITORA Três Estrelas QUANTO R$ 74,90 (360 págs.) AVALIAÇÃO ótimo