Folha de S.Paulo

É TUDO VERDADE Laerte joga purpurina no ventilador em filme sobre sua trajetória trans

Primeiro documentár­io brasileiro da Netflix, ‘Laerte-se’ passa hoje do festival É Tudo Verdade

- GUILHERME GENESTRETI

Cartunista da Folha tira a roupa, abre sua casa e milita contra a ‘direita moral’ em longa que retrata sua experiênci­a

Foram os quadrinhos que deram a deixa: a cartunista Laerte era uma nova mulher.

Lá por 2005, Hugo, o personagem que se travestia de Muriel, tinha perdido a graça. Vestir-se de mulher não era mais mote para piada nas tirinhas. Uma amiga, desconfiad­a, deu a letra: “Laerte, a sua anágua está aparecendo”. A cartunista concorda: “É, eu não conseguia mais esconder esse meu desejo”.

“Laerte-se”, documentár­io que será exibido neste sábado (22) no festival É Tudo Verdade, descortina a trajetória trans da cartunista da Folha. O filme é o primeiro longa brasileiro da Netflix e entrará no catálogo do serviço de vídeo sob demanda em 19/5.

“Esse filme é a minha forma de jogar purpurina no ventilador”, diz Laerte. Ao se permitir ser objeto do documentár­io, ela teve que equilibrar o salto entre a sua natural discrição e o posto a que foi alçada —o de farol da questão transgêner­o no Brasil—, desde que, aos 59 anos, apareceu montada com vestido, brinco e unha pintada.

Em 2013, quando foi interpelad­a pelas diretoras —a documentar­ista Lygia Barbosa da Silva e a jornalista Eliane Brum—, Laerte buscava resguardar sua imagem pública. “Eu estava retraída, precisava encostar o cu na parede.”

Revistas semanais convocavam consultora­s de moda para julgar seu “look”, conta. Outras queriam acompanhar Laerte nas compras. “Eu não queria que essa mulheirice é que viesse à tona.”

O que Laerte queria era implantar seios. “E achei que o filme poderia usar o negócio do peito como eixo para discutir o que é gênero.” A cirurgia acabou sendo adiada, mas o filme saiu. “Isso mostra que não tem que ter peito para ser transgêner­o”, diz.

Em sua jornada, Laerte enfrentou “truculênci­a masculina” até de quem passou pelo bisturi, gente do próprio meio trans, “que nem tem pênis mais, mas que continua botando o pau na mesa”, diz. ‘DIREITA MORAL’ Eliane Brum é quem conduz as entrevista­s. “O que é se sentir mulher, afinal?”. A artista reflete. “É algo que estou me sentindo cada vez mais”. Enquanto isso, a câmera circula pela casa de Laerte, a flagra nua no chuveiro, mostra a produção de suas tirinhas, a interação com os parentes e a militância contra a “direita moral”.

“A direita econômica já estava representa­da na política. Mas foi pela moral que esse reacionari­smo cresceu mais, querendo demolir tudo o que estava consolidad­o.”

Não que a direita também não tenha encampado a pauta da diversidad­e. Nas últimas eleições, lembra a cartunista, o ator trans Thammy Miranda tentou vaga na Câmara dos Vereadores paulistana e lidou com achaques dentro de seu partido, o conservado­r PP (Partido Progressis­ta). “Isso sim é que foi coragem”, diz.

E Laerte não se considera corajosa? “Há coragem em quem desafia as normas de gênero ainda criança ou adolescent­e. Eu já era respeitada, pus pouca coisa em risco.” DIREÇÃO Lygia Barbosa e Eliane Brum PRODUÇÃO Brasil, 2017, 14 anos QUANDO sábado (22), às 23h15, no Reserva Cultural (av. Paulista, 900, tel. (11) 3287-3529 AVALIAÇÃO bom

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Keiny Andrade/Folhapress A cartunista Laerte em São Paulo

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