Folha de S.Paulo

Brasileiro vai à guerra com luva de pelica em obra nada original

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A família Lacks demorou 20 anos para saber que as células haviam sido retiradas e nunca receberam por isso.

“Estive no Jonhs Hopkins várias vezes e nas mesmas ruas em que sua família morou. Sou negra, conheço a história dos negros americanos e nunca tinha ouvido uma menção sobre seu nome”, relata Oprah.

Para a apresentad­ora, o filme vai ajudar a luta da família. “Ninguém hoje estaria mais feliz do que Deborah Lacks [morta em 2010]. O que ela mais queria é que todo mundo conhecesse essa história.”

CRÍTICO DA FOLHA

Talvez o momento mais forte de “Castelo de Areia” seja aquele em que o soldado Matt Ocre é colocado numa ambulância junto a um cadáver. Ou quase cadáver, pois ele começa a se mover, nota o soldado, que logo tem um ataque de pânico e começa a gritar.

Pena que o filme não explore esse momento devidament­e. Mal chegamos a ver o rosto do morto, iraquiano. No entanto o terror que inspira está inteiramen­te ligado a esse rosto. Ou antes, à impossibil­idade de compreendê-lo.

A rigor, é isso que está em jogo: a necessidad­e de compreende­r o que há por trás de cada rosto desses iraquianos, atrás de cada palavra. Quem são eles, afinal.

Esse é o real problema com o qual têm de se entender os soldados. A missão de levar água a um povoado cujo suprimento foi cortado devido à guerra serve essencialm­ente para colocá-lo em relevo.

Claro, isso remete ao problema implícito à aventura: o que estamos fazendo aqui?

Não que os soldados o formulem como prioritári­o. Sua sincera intenção é voltar para casa. Mas a nova missão lhes dará a ocasião de fazer o que Ocre não faz no início, olhar o ocupado de frente.

Pois é de uma ocupação que se trata. Os soldados nunca sabem se no carro há um homem levando uma criança ao médico ou uma ameaça.

Nada é muito original em “Castelo de Areia”. Muitos momentos serão um tanto monótonos, em parte pela tocada que supõe, não raro, a alternânci­a entre uma cena de ação e uma cena de repouso.

Para um diretor brasileiro, não lhe basta a dificuldad­e de lidar com mais uma invasão destrambel­hada dos americanos no Oriente Médio. Existe uma constrange­dora questão de lealdade: seja aos invasores (e produtores), seja aos invadidos.

Brian de Palma estava à vontade tratando do assunto na sua obra-prima, “Guerra sem Cortes”. Clint Eastwood sentia-se livre em “Sniper Americano”. À parte serem grandes diretores, são americanos: dizem o que querem.

Fernando Coimbra entra na sua guerra com luvas de pelica. A guerra aqui não comporta drogas, nem loucura nem bebida. Nem mesmo cigarros. São bons rapazes.

E, no entanto, talvez, o espectador se surpreenda ao notar a desconfort­ável semelhança entre essa guerra e a conquista do Oeste. Entre os árabes e os índios dos velhos tempos. É o aspecto mais marcante deste filme honesto e esquecível. (IA) (SAND CASTLE) DIREÇÃO Fernando Coimbra ELENCO Henry Cavill, Nicholas Hoult e Glen Powell ONDE na Netflix AVALIAÇÃO regular

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