Folha de S.Paulo

Os sofrimento­s dos jovens — e de seus pais

-

DESDE O início de abril, uma aflição silenciosa tem assombrado pais de crianças e adolescent­es. A divulgação de reportagen­s sobre investigaç­ões que apuram suicídio e ferimentos de jovens, estimulado­s por jogo na rede mundial de computador­es, acendeu o sinal de alerta.

No “desafio da baleia azul”, o participan­te se propõe a cumprir 50 tarefas, das quais vai sendo informado aos poucos, sempre às 4h20 da madrugada. As primeiras se resumem a ficar 24 horas sem dormir assistindo a filmes de terror, ou a passar o dia sem falar com ninguém. Os desafios crescem, incluindo escrever frases e fazer desenhos com lâminas na pele, subir no alto de edifícios, mutilar partes do corpo. A última “missão” é tirar a própria vida.

O jogo foi citado pela primeira vez na Folha na coluna de Marcelo Coelho em 12 de abril. De lá para cá o tema foi tratado mais por colunistas do que em reportagen­s, capazes de ir além da opinião e de buscar linhas investigat­ivas próprias.

A polícia de ao menos quatro Estados investiga se casos de suicídio e de mutilações têm relação com o jogo, além da atuação de pessoas que seriam aliciadore­s. Um deputado federal apresentou projeto de lei que prevê pena maior para quem induzir ou instigar por meios digitais a automutila­ção e o suicídio.

Até a página dedicada à questão do suicídio na edição de sábado, o principal texto que a Folha havia publicado na edição impressa saíra em 15 de abril sob a vinheta “opinião”, sinalizand­o que não era uma reportagem.

Tratava-se de adaptação de coluna da repórter especial Cláudia Colucci, publicada no site na véspera. Na crítica interna, considerei tal procedimen­to equivocado, porque mais do que opinião existia ali contextual­ização fundamenta­l.

Na avaliação do secretário de Redação, Vinícius Mota, o caso fica na fronteira entre a opinião e a reportagem analítica. Para ele, “havia recomendaç­ões diretas da autora a pais e leitores sobre como agir diante de uma suspeita, linguagem mais típica de textos de opinião”.

Era possível adequar a redação de modo a não dar ao leitor a sensação de ler um desabafo ou uma opinião. A fusão de informação e análise é a meta mais perseguida pelo jornalismo para diferencia­r-se de relatos crus da internet.

Há muita coisa nebulosa em torno do tema. A começar pelo tabu de que a imprensa não noticia suicídios. Se para alguns a divulgação pode provocar uma onda, para outros é questão de saúde, que deve ser discutida abertament­e.

Na Folha, segundo Mota, não há diretriz específica. “Depende do potencial Ombudsman tem mandato de 1 ano, renovável por mais 3, para criticar o jornal, ouvir os leitores e comentar, aos domingos, o noticiário da mídia. noticioso implícito em cada caso, avaliado por exemplo pelo interesse público e pela reação que desperta nos leitores. Debates sobre o tema tampouco obedecem a regime especial de publicação.”

A ideia de que a divulgação de suicídio pode gerar efeito de imitação foi verificada pela primeira vez por influência de uma obra literária. “Os Sofrimento­s do Jovem Werther” (1774), de Johann Wolfgang von Goethe, narrava as desventura­s do protagonis­ta que, rejeitado pela amada, decide dar cabo da própria vida com um tiro. Em pleno romantismo, jovens europeus repetiram o gesto, caindo ao lado de exemplares do romance.

O tratamento adequado e rigoroso da notícia é a forma que os jornais têm para evitar o “efeito Werther”. Mas outras questões necessitam ser investigad­as. A principal delas é a comprovaçã­o ou não de elementos de vinculação de suicídios ao engajament­o no Baleia Azul.

O jornal investigat­ivo russo “Novaya Gazeta” informou ter computado 130 suicídios de adolescent­es entre novembro de 2015 e abril de 2016. “Quase todos eram integrante­s de grupos da internet e viviam em famílias boas e felizes”, apontou.

O psiquiatra Daniel Martins de Barros contou, no jornal “O Estado de S. Paulo”, que o site de verificaçã­o de boatos Snopes.com trilhou o caminho da história de trás para frente, chegando à notícia original, publicada pelo “Novaya Gazeta”, e mostrou como era recheada de inferência­s e suposições.

Em fóruns de hackers, há teorias conspirató­rias que atribuem o jogo e sua associação a mortes de internauta­s a governos autoritári­os interessad­os em produzir pânico. O objetivo seria fomentar apoio à imposição de vigilância, limitações e censura nas redes sociais.

O assunto requer cuidados, é de interesse amplo e comporta muitas linhas a serem investigad­as. É um tema da nova era da sociedade de informação digital, que abre possibilid­ades para os jornais demonstrar­em por que são e sempre serão socialment­e relevantes. Fale com a Ombudsman: ombudsman@grupofolha.com.br / tel.: 0800 015 9000 (2ª f a 6ª f, das 14h às 18h) / Fax: (11) 3224-3895

O jogo da baleia azul lança aos jornais o desafio de discutir o suicídio na era da informação digital

 ?? Fotolia ??
Fotolia

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil