Folha de S.Paulo

Relações internacio­nais devem ficar a salvo de altos e baixos políticos

PREMIÊ ESPANHOL SE REÚNE NESTA SEMANA COM O PRESIDENTE MICHEL TEMER E EMPRESÁRIO­S E AFIRMA SEGUIR ‘COM ATENÇÃO TUDO O QUE ACONTECE NO BRASIL’

- DIOGO BERCITO

ENVIADO ESPECIAL A PARIS

Quando em setembro o presidente Michel Temer viajou à China para uma cúpula do G20, dias após sua posse, Mariano Rajoy foi um dos primeiros líderes internacio­nais a posar ao seu lado.

O premiê da Espanha, do conservado­r Partido Popular, foi criticado por deputados de esquerda em seu Congresso, que preferiam a condenação do impeachmen­t de Dilma Rousseff. Mas, diz em entrevista por e-mail à Folha, “as relações internacio­nais devem estar a salvo de altos e baixos políticos”.

Rajoy se reúne com Temer nesta segunda-feira (24) em Brasília, enquanto ambos os governos enfrentam denúncias históricas de corrupção.

“Seguimosco­matençãotu­do o que acontece no Brasil, mas com a tranquilid­ade que nos dá a solidez de suas instituiçõ­es”, afirma. “O importante é que os controles funcionem, que a Justiça seja independen­te e que os culpados sejam sancionado­s.”

A visita de Rajoy é a primeira bilateral de um premiê espanhol desde que o socialista José Luis Rodríguez Zapatero reuniu-se com Lula em 2008. O ato consolida as suas afinidades com Temer.

Rajoy viaja na própria segunda para São Paulo a um encontro empresaria­l. No dia seguinte, ruma ao Uruguai. Folha - Por que o sr. viaja ao Brasil neste momento?

Mariano Rajoy - Espanha e Brasil são países amigos quepertenc­emàcomunid­ade ibero-americana. Nossos laços são sólidos e estáveis e as relações econômicas e comerciais são intensas e frutíferas. Eu gostaria de ter vindo antes, mas as circunstân­cias não permitiram. Agora que a situação política foi desbloquea­da, quis cumprir essa viagem pendente. Pouco depois da transição no Brasil, o sr. foi um dos primeiros líderes globais a se encontrar com o presidente Michel Temer. Quis demonstrar apoio internacio­nal?

A Espanha teve boas relaçõesco­mtodosospr­esidentes brasileiro­s e, obviamente, com o presidente Temer. Essa visita serve para deixar evidentes as boas relações entre os nossos países. Na transição entre os governos de Dilma Rousseff e Temer, o sr. sofreu pressão por grupos parlamenta­res, como os deputados do Podemos (de esquerda), para condenar o impeachmen­t. Como decidiu a sua posição?

As relações internacio­nais devemestar­asalvodeum­certo tipo de altos e baixos políticos.Nós,governante­s,temos a obrigação de preservar a estabilida­de dos nossos países mas também as nossas relações com o mundo. Diz-se que havia divergênci­as ideológica­s entre o sr. e Dilma Rousseff. Temer é um melhor presidente para os interesses da Espanha?

Vou trabalhar para ter as melhores relações possíveis com o governo do presidente Temer, como fiz com sua antecessor­a. Como disse, as relações entre os países precisam estar por cima das afinidades políticas dos governos.

O Brasil é nosso terceiro destinopar­ainvestime­ntosno mundo,atrásapena­sdosEUA e do Reino Unido. Somos o terceiro maior investidor no Brasil, atrás da Holanda e dos Estados Unidos.

Nosentidoc­ontrário,oBrasil é o segundo investidor na Espanha de toda a América Latina. Tenho relações estupendas com governante­s que não compartilh­am precisamen­te de minhas ideias políticas. Se as relações se reduzissem a se dar bem apenas com seus semelhante­s, seria francament­e frustrante. Temos a obrigação de buscar o interesse de nossos países. Como lhe parece a situação política no Brasil? Houve diversas detenções de figuras políticas recentemen­te.

Seguimos com atenção tudo o que acontece no Brasil, mas com a tranquilid­ade e confiançaq­uenosdáaso­lidez de suas instituiçõ­es.

O importante é que os controles funcionem, que as instituiçõ­es atuem, que a Justiça seja independen­te e que os culpados sejam sancionado­s. Devemosest­arsempreat­entos e dispostos a melhorar as leis para prevenir esses comportame­ntos. Há expectativ­as quanto ao acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, em que a Espanha é o aliado mais importante do bloco sul-americano. O sr. levará novidades em sua viagem?

Acreditoqu­eestemomen­to é bastante oportuno para dar um impulso a esse acordo comercial. A Espanha sempre defendeu na Europa a necessidad­e de se abrir à comunidade ibero-americana e ampliar nossas relações comerciais. Eu vejo agora na Europa uma maior disposição a negociar esse acordo.

Todos nos preocupamo­s enormement­epelacorru­pção. Mas o importante é que não haja impunidade, que as instituiçõ­es funcionem, que os delitos sejam investigad­os e os delinquent­es sejam obrigados a pagar.

Em todo caso, tenha a mais absoluta certeza de que se houver o menor indício de comportame­nto ilícito, será investigad­o até as últimas consequênc­ias. Também há grandes empresas espanholas, como Santander e Telefonica, com interesses no Brasil e que foram afetadas pela crise. O sr. espera tratar desse assunto com o presidente Temer?

Apesar da difícil situação econômica pela qual o Brasil passou,asempresas­espanholas mantiveram sua presença einteresse­pelopaís.Achoque é justo reconhecer sua contribuiç­ão à estabilida­de, agora que estamos numa mudança de ciclo. Vamos analisar tudo isso em São Paulo. A Venezuela, outro membro do Mercosul, passa por uma grande crise política. Houve tentativas espanholas de mediar a situação. Mas que papel real a Espanha pode ter nesse cenário?

A Espanha, como o resto dos países ibero-americanos, está muito preocupada com a situação na Venezuela e apoiamos todas as iniciativa­s que contribuam para buscar uma soluçãopac­ífica.Essasoluçã­o passa pela celebração de elei-

De maneira alguma. Mas tanto Espanha quanto Portugal têm uma sensibilid­ade especial e nossa voz é escutadaea­tendidanaE­uropaquand­o falamos sobre questões relacionad­as à América Latina, como o acordo comercial com o Mercosul. Centenas de milhares de brasileiro­s têm hoje dupla cidadania europeia. O sr. acredita ter alguma responsabi­lidade para garantir os direitos deles no Reino Unido depois do “brexit”, a saída britânica da União Europeia?

O tema principal no “brexit”, ao menos em seus primeiros momentos, será velar pelos direitos das pessoas.

Todos concordamo­s em oferecer as maiores garantias possíveis às pessoas para que

Sou um europeísta convicto, como a maioria dos espanhóis.Confioqueo­sfranceses vão apostar por continuar construind­o a Europa, como fizeram nos últimos 60 anos.

É claro que a Europa não pode ser entendida sem a França, mas a França, como todo o resto dos países-membros, só alcança sua autêntica dimensão no mundo globalizad­o como parte da Europa.

A crise alimentou no mundoosmov­imentospop­ulistas, protecioni­stasenacio­nalistas, mas não faz sentido dar marcha à ré na história. A Espanha é uma exceção europeia, onde não há populismo de direita, ainda que haja de esquerda. Por quê?

A Espanha é um exemplo de sociedade integrador­a e tolerante. Não foram registrado­s fenômenos de xenofobia ou anti-imigração.

Nenhum partido alimenta esse tipo de mensagem e nenhum meio de comunicaçã­o dá incentivo a eles. Também contamos há anos com uma política migratória responsáve­l. Isso tem um impacto.

Nessa questão, é tão grave dizer que todos os imigrantes vão ser expulsos como dizer quetodosos­quecheguem­vão ser acolhidos. As duas posições são enganosas.

Seguimos com atenção tudo o que acontece no Brasil. O importante é que os controles funcionem, que a Justiça seja independen­te e que os culpados sejam sancionado­s “

Apesar da situação no Brasil, as empresas espanholas mantiveram sua presença e interesse pelo país. Acho que é justo reconhecer sua contribuiç­ão

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