AMARGO REGRESSO
Aniquilada pela guerra, capital econômica síria começa a renascer de escombros com retorno de moradores
Aleppo está destruída. Os edifícios de seis, oito andares que se espremem nas ruas estreitas da cidade antiga são agora ruínas. Em alguns deles, a fachada se foi, deixando à mostra o que um dia foi o lar de dezenas de famílias.
A cama pendurada, a cadeira diante de um espelho quebrado, cortinas que insistem em se manter presas.
Caminhar pelas ruas desertas expõe as entranhas de vidas partidas pelos ataques aéreos, pela artilharia pesada e pelas batalhas que, estima-se, tenham custado ao menos 100 mil vidas só aqui.
Nenhuma cidade na Síria foi tão castigada quanto Aleppo, a capital econômica deste país fraturado por uma guerra civil que já dura seis anos sem final à vista.
Quase seis meses após o governo de Bashar al Assad ter reconquistado a cidade dos grupos rebeldes salafistas ligados à Al Qaeda e ao Estado Islâmico, a maior parte de Aleppo ainda não conta com serviços básicos.
Não há eletricidade nem água corrente. Não há coleta de lixo nem transporte. Entulho e escombros de prédios se acumulam nas ruas e, não muito longe, soldados do Exército e militantes islâmicos continuam a combater.
À noite, a escuridão não raramente se ilumina com disparos de artilharia.
Ainda assim, centenas, milhares de pessoas estão voltando para cá todos os meses. Deixam campos de refugiados, as moradias improvisadas, a migração forçada para tentar retomar suas vidas.
A cada dia, são mais sírios que chegam para viver em casas semidestruídas, reabrir o comércio ou tentar retomar algo suspenso pela guerra.
A estimativa da ONU é que algo entre 1,5 milhão e 1,8 milhão de pessoas esteja vivendo em Aleppo. E a tendência é que o número aumente.
A destruição está concentrada na parte leste da cidade que tinha quase 2,5 milhões de habitantes antes de a guerra começar e era principal polo industrial da Síria. As partes que sempre estiveram sob o regime estão preservadas, com água encanada, eletricidade, lojas abertas. Na Universidade de Aleppo, uma das mais antigas da LÍBANO SÍRIA Damasco IRAQUE síria e russa fizeram bombardeios maciços contra áreas densamente povoadas, o assunto é sensível. Quem ficou na cidade e não a abandonou quando um acordo de remoção dos rebeldes foi feito, em dezembro, evita falar qualquer coisa que possa parecer contra o regime de Assad.
Se questionadas como filhos, pais ou irmãos morreram, respondem apenas que uma bomba veio do céu. Ou que foi obra dos terroristas.
Fatimah Tawel, 35, segue esse roteiro. Diz apenas que foi um morteiro que matou seus três filhos de 15, 14 e 11 anos. Ela não sabe de onde a bomba veio, ou talvez não faça diferença para ela.
Era uma tarde de outono, há três anos, quando os três convenceramamãealhesdar dinheiro para comprar um pacote de biscoitos no mercadinho da rua de trás. O morteiro, conta Fatimah, os atingiu. Morreram na hora.
“O martírio deles me faz sofrer, penso neles todos os dias, mas assim quis Deus, não havia nada que pudesse fazer”, diz com um leve sorriso.
Fatimah perdeu o marido poucos meses depois. Ela diz que ele foi sequestrado pelo Estado Islâmico, mas não tem ideia de seu paradeiro. Um dia, apenas, ele não voltou.
Foi depois disso que ela deixou Aleppo. Agora, com o fim das batalhas, voltou. Ela e a filha de três anos, nascida em meio à guerra, que ganhou o nome de Amal. “Significa esperança em árabe.”
Mohamed Baruk também voltou há poucos meses e se mostra cheio de esperança.
Aos 12 anos, passa 10 horas por dia vendendo chicletes nas redondezas da Cidadela de Aleppo, um dos pontos turísticos mais importantes da cidade que não foi completamente destruído.
Consegue até US$ 3 por dia (R$ 9,45) e, com o dinheiro, sustenta a mãe e três irmãos. O pai, conta, foi vítima de um morteiro enquanto estava trabalhando perto de casa. “Ele foi para o hospital, mas não adiantou”, diz, olhos úmidos.
Baruk não sabe ler. Nos últimos seis anos, não foi para a escola. Mas quer ser engenheiro. Não soldado, não jogador de futebol, como tantos garotos sírios. Quer ser engenheiro para reconstruir sua casa. “Quero fazer a Síria crescer 1000%, vou ajudar a arrumar esse prédios.”