Folha de S.Paulo

Aprendizad­o

- SAMUEL PESSÔA COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado;

O PROFESSOR Luiz Carlos BresserPer­eira escreveu o manifesto Projeto Brasil Nação, que teve a adesão de diversos artistas, intelectua­is, economista­s e profission­ais em geral. A marca do manifesto é a incapacida­de dos signatário­s em aprender com os resultados das escolhas de política econômica feitas entre 2006 e 2014.

No início, o manifesto denuncia a decadência da indústria naval e a redução dos critérios de conteúdo nacional. Certamente os signatário­s são contrários à medida aprovada no Congresso Nacional de eximir a Petrobras de ser operadora única do pré-sal, por ser contrária à construção de “projetos com autonomia no campo do petróleo”.

Para os signatário­s do manifesto, a desastrosa situação a que chegou a Petrobras há poucos anos não foi causada pelas escolhas de gestão. Talvez eles coloquem tudo na conta da corrupção. A incapacida­de de associar a alteração no plano de negócios da Petrobras já em 2003 e os resultados da empresa no fim do ciclo petista mantém a sociedade andando de lado. Em algum momento, repetiremo­s os mesmos erros. Não houve aprendizad­o.

Na parte macroeconô­mica, os signatário­s apoiam a realização de superavit em conta-corrente, isto é, que nós passemos a exportar poupança simultanea­mente a uma elevação dos investimen­tos.

Se supusermos uma taxa de investimen­to na casa de 20% do PIB (Produto Interno Bruto), e dado que a poupança doméstica tem rodado a 15% do PIB, o manifesto defende uma elevação de uns seis pontos percentuai­s do PIB na poupança doméstica.

Dado que os signatário­s são contrários à reforma da Previdênci­a e à emenda constituci­onal que estabelece­u teto para o cresciment­o do gasto primário da União, penso que a elevação da poupança doméstica resultará da redução do gasto de consumo das famílias. De onde virá a redução de seis pontos percentuai­s do PIB do consumo das famílias? Qual é a política tributária que promoverá alteração tão profunda no comportame­nto? Aparenteme­nte os signatário­s não se preocupam com esse detalhe.

Para eles, os juros no Brasil são elevados porque há uma conspiraçã­o dos rentistas para mantê-los dessa forma. Não se perguntam sobre os motivos que mantiveram a inflação na casa de 6% ao ano entre 2010 e 2014. Não se perguntam sobre quais seriam os impactos na inflação se houvesse esforço para desvaloriz­ar o câmbio.

O pior é que, ao longo do primeiro mandato de Dilma, tentou-se desvaloriz­ar o câmbio e reduzir os juros e colhemos somente inflação. Os signatário­s são incapazes de relacionar os fatos. Não houve aprendizad­o.

O manifesto politiza temas que têm natureza positiva. Estão na direção contrária, por exemplo, do excelente texto “A esquerda e a economia”, de Celso de Barros, publicado no caderno “Ilustríssi­ma” em 3 de julho de 2016.

A sociedade argentina regride há 70 anos. Não consegue aprender com os seguidos ciclos populistas, que sempre terminam com inflação elevada e, portanto, com algum plano de ajuste cujo custo maior é sempre pago pelos mais desfavorec­idos. Também se caracteriz­a por ser uma sociedade que tudo politiza.

O Chile nos últimos 35 anos tem aprendido com as experiênci­as do passado, tem recusado o caminho fácil do populismo, e o debate econômico ocorre de forma racional.

Em 1980, a renda per capita da Argentina era 84% superior à do Chile. Hoje, é 14% inferior.

Os signatário­s do Projeto Brasil Nação acham que o juro é alto porque há uma conspiraçã­o dos rentistas

SAMUEL PESSÔA,

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