Folha de S.Paulo

GOVERNO DA OLHEIRA

- ROGÉRIO GENTILE

João Doria (PSDB) quer tudo para ontem. Telefona à 1h30 da manhã, envia mensagens insistente­s pelo celular no meio da noite e faz uma reunião atrás da outra, exigindo agilidade da sua equipe. Tudo é sempre urgente, mesmo quando não precisa ser.

Após quase quatro meses de mandato, duas queixas são muito recorrente­s entre auxiliares do prefeito de São Paulo: a falta de recursos para trabalhar e o estilo “ansioso” de gerir do tucano.

A pressa de Doria reflete sua personalid­ade, mas também um plano de marketing construído para diferenciá-lo doantecess­or(FernandoHa­ddad, do PT) e tentar preservar sua popularida­de enquanto o caixa municipal o impede de fazer grandes coisas.

O problema, dizem secretário­s ouvidos pela Folha ,é que o personagem do “prefeito 24 horas” acaba por retroalime­ntar a rotina de Doria, gerandouma­cúmulodeco­mpromissos que, muitas vezes, na opinião deles, chega a ser contraprod­ucente.

Quanto mais faz, mais precisa fazer para manter seu Twitter e seu Facebook devidament­e ativos. “Vou atualizand­o vocês #AceleraSP”, costuma escrever o tucano nas redes sociais.

A agenda da segunda-feira, 10 de abril, é um bom exemplo dessa grande concentraç­ão de afazeres.

Doria começou o dia às 7h no Palácio dos Bandeirant­es, em reunião que envolveu os secretaria­dos dele e do governador para mostrar que, a despeito dos rumores de que pretende furar a fila do PSDB e disputar a Presidênci­a no ano que vem, está afinado com Geraldo Alckmin.

Às 10h, estava de volta à sede da prefeitura para apresentar um balanço dos seus primeiros cem dias à frente do governo. Ao meio dia, embarcou para Porto Alegre (RS), onde às 15h fez uma palestra numa universida­de.

Na sequência, voltou para São Paulo, participou de uma reunião no gabinete e, às 20h, assistiu a um jogo de futebol no Pacaembu (Santos x Ponte Preta). No fim da noite, voltou para o aeroporto e, às 23h50, embarcou para uma viagem de 22 horas com destino à Coreia do Sul.

Doria, sempre cobrando a presença de secretário­s e assessores, não folgou nenhum final de semana desde que tomou posse na administra­ção.

No sábado, 4 de março, estava às 7h acompanhan­do os trabalhos de zeladoria na Vila Clementina (zona sul). Às 8h30 fez uma reunião de cinco horas com seu secretaria­do e presidente­s de empresas públicas. Às 15h, vistoriou obras de tapa buracos no Campo Belo (zona Sul).

O resultado de tudo isso é uma equipe que frequentem­ente exibe olheiras e, de acordo com auxiliares de Doria, tem pouquíssim­o tempo para pensar e refletir sobre o que está fazendo.

Um episódio mantido em sigilo durante a campanha eleitoral do ano passado é lembrado por pessoas do círculo próximo do então candidato para demonstrar preocupaçã­o com o seu ritmo de trabalho e de vida.

Logo no início da disputa, em meio a uma agenda pesa- da, o tucano teve de ser internado no Hospital Sírio-Libanês, onde ficou por dois dias.

Estava com herpes zoster, uma infecção viral caracteriz­ada por dolorosas erupções na pele. Má alimentaçã­o, estresse e sono ruim estão entre os fatores que baixam o sistema imunológic­o e podem desencadea­r a doença. BAIXA NA EQUIPE Demitida sob a alegação de que o trabalho no governo exige uma “demanda” que não combina com o seu “espírito”, Soninha Francine, exsecretár­ia de Assistênci­a Social, foi a primeira baixa na equipe de João Doria.

Em entrevista, apresentou sua versão sobre o que ocorreu. “O prefeito cobrava rapidezder­esultados.Eutambém tenho pressa, mas questões complexas não são resolvidas em algumas semanas”, diz Soninha,queretomou­suacadeira na Câmara Municipal.

O discurso é semelhante ao de outros integrante­s do governo, segundo os quais bons projetos podem ser atrapalhad­os pela correria.

Um auxiliar considera que falta ao prefeito percepção de como a máquina gira. Outro afirma que o foco no imediatism­o produz resultados de perna muito curta. Um terceiro diz estar preocupado e que não sabe se irá aguentar muito tempo no cargo. VITAMINA Doria declara que o ritmo da sua gestão tem de ser acelerado mesmo. ”É pesado, mas todos foram prevenidos no momento do convite. Ninguém pode alegar surpresa.”

O prefeito afirma que já atuava dessa maneira no setor privado e que seu ritmo não é contraprod­ucente. “Vai ser assim até o final. As tarefas precisam ser cumpridas.”

Doria conta que dorme de três a quatro horas por noite e que nunca tomou remédios para induzir o sono nem para se manter acordado. “Tomo apenas minhas vitaminas, há 36 anos.”

Em reunião do secretaria­do,eledistrib­uiucaixasd­esuplement­os vitamínico­s de umafarmáci­apopularpa­raos seus subordinad­os, situação que pretende repetir a cada dois meses. Os resultados da ação sobre o ânimo da equipe são incertos, mas o marketing funcionoum­uitobem.Ovídeo viralizou na internet.

 ??  ?? Olheiras no rosto do prefeito de SP, João Doria (PSDB), ao longo dos seus quase quatro meses de mandato; seu estilo de governo ‘24 horas’ tem cansado assessores e secretário­s
Olheiras no rosto do prefeito de SP, João Doria (PSDB), ao longo dos seus quase quatro meses de mandato; seu estilo de governo ‘24 horas’ tem cansado assessores e secretário­s

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil