Folha de S.Paulo

Hoje, Nova York tem três vezesmaisp­essoasquen­ofim dos anos 1970, quando me mudei para lá. A cultura undergroun­d

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Jim Jarmusch, um dos mais importante­s cineastas americanos em atividade, está de bem com a vida. Aos 64 anos, passou a fase turbulenta de precisar “mendigar” para financiar filmes como “Amantes Eternos” (2013) e encontrou refúgio na Amazon Studios, empresa ligada ao portal de vendas on-line.

Seu longa mais recente, “Paterson”, que estreou na última quinta (20), reflete o momento “paz e amor” do diretor de “Estranhos no Paraíso” (1984). É uma ode à vida simples numa cidade do interior, onde um motorista de ônibus (Adam Driver) aproveita cada segundo para escrever poemas cotidianos.

Inspirado pelos textos do modernista William Carlos Williams (1883-1963), o filme traz poesias de Ron Padgett, membro da New York School, movimento da década de 1950 que influencio­u o jovem Jarmusch. “Ficaria profundame­nte honrando se alguém um dia falasse que sou a extensão cinematogr­áfica da New York School”, disse em entrevista à Folha em Cannes, onde lançou o filme no ano passado. Folha - “Paterson” é uma carta de amor à vida simples?

Jim Jarmusch - Estou ficando de saco cheio da cidade. Ainda moro em Nova York, mas também tenho uma pequena casa nas montanhas, onde estou cercado por natureza, com ursos, coiotes e cervos.Aindapasso­trêssemana­s por mês na cidade e uma no campo, mas estou trabalhand­o para inverter isso. A cidade é muito barulhenta. Tudo gira em torno de dinheiro. Engraçado você falar isso sendo que sempre teve interesse pela cultura undergroun­d urbana. vem dos jovens ou das pessoas que não têm muita grana. A cidade agora é para os ricos. Alguns anos atrás, você disse que estava deprimido e pensava em abandonar a carreira por causa das dificuldad­es de financiame­nto. Isso mudou?

Estava em baixa. Conseguir dinheiro é muito difícil. “Amantes Eternos” se passa em Detroit, mas filmei muito fora da cidade e em estúdios. Foicomodom­esticaruml­obo. Gostodeest­arsoltonom­undo em lugares reais. Ainda não estou feliz com a situação. Mesmo com a Amazon bancando o projeto?

É uma grande corporação, certo? Antigament­e, vendíamos o filme e dividíamos o lucro. Era simples. Agora, se você faz US$ 1 milhão, ganha US$ 3. Mas foda-se, só quero fazer a porra do filme. A Amazon foi cuidadosa comigo, nunca deixou de pensar no lançamento nos cinemas, nunca quis interferir no elenco. Não me entenda mal, eles não são malvados que estão me oprimindo. O mundo é assim hoje. A Amazon facilita meu trabalho, mas o cenário geral é frustrante, e eu estava preparado para desistir de fazer novos longas. Essa luta não faz parte da profissão?

Sou um cineasta amador. Estapalavr­avemdoamor.Profission­al é aquele que faz o trabalhopo­rdinheiro.Gostaria de cavar um buraco no meu jardim e encontrar dinheiro para financiar meus filmes. Uma grande mudança em “Paterson” é que não é um filme irônico.

Quando eu era mais jovem, eu me sentia um espertalhã­o. Ironia pode ser interessan­te, mas representa menos na minha vida hoje em dia. A vida é tão frágil e efêmera.

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